sábado, 3 de maio de 2014

Damião de Góis. The Life and Thought of a Portuguese Humanist. Elisabeth F Hirsch. «… anos de mais estreito contacto com os ‘Protestantes’ e essa é que é a verdade apesar duma afirmação curiosa que ele fez num relatório para os inquisidores em Portugal, ‘durante o seu julgamento’ em 1571-1572»

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Formação intelectual
«(…) Apesar de Grapheus ter de dar os retoques finais a legatio (pois Góis nunca chegou a ser um bom estilista em latim), e apesar de essa obra ter sido publicada sem o conhecimento de Góis, devido à relutância que sentia em o fazer, ela representa o primeiro passo que ele deu como pensador e marca uma viragem na sua carreira. No prefácio, Góis presta o tributo devido a Johann Magnus por tê-lo iniciado no caminho em que se viria a realizar como humanista. As relações de Góis com Magnus estão na origem da sua dedicação a outra causa cristã, quando o arcebispo o associou a um problema que o comoveu a fundo. No bispado de Upsala, Magnus devia ter tido os Lapões sob a sua supervisão eclesiástica, mas esse povo, explorado por príncipes cristãos, resistia tenazmente à conversão ao cristianismo. Góis queria agir a favor dos Lapões, e quando Magnus lhe pediu que desse a conhecer ao público a situação lamentável em que eles se encontravam, Góis redigiu um sentido apelo, que acrescentou a legatio, para que se lhes desse um melhor tratamento. Embora os encontros posteriores entre os dois homens não fossem frequentes mantiveram uma amizade profunda que se baseava na compreensão mútua e que os influenciou a ambos. Depois de Góis se ter avistado com Magnus uma segunda vez, em Danzig, em 1531, tornaram a encontrar-se anos mais tarde em Itália, onde o português estava a prosseguir os seus estudos e onde Magnus esperava participar no projectado concílio de Mântua. O concílio não chegou a realizar-se e o arcebispo, juntamente com Olaus, seu irmão, que o acompanhava, ficou sem recursos financeiros. Góis fez um apelo ao Papa para que socorresse esse homem que já sofrera pela causa da religião, mas esses esforços bem intencionados foram em vão, e Magnus passou privações até morrer.
Os primeiros anos de preparação de Góis para a carreira humanística foram também os anos de mais estreito contacto com os Protestantes e essa é que é a verdade apesar duma afirmação curiosa que ele fez num relatório para os inquisidores em Portugal, durante o seu julgamento em 1571-1572. Lembrava aos acusadores que os erros religiosos que tinha cometido durante a estada em Antuérpia se deviam à sua ignorância do Latim, que fazia com que lhe fosse impossível debater com as autoridades na matéria. Esse argumento não deixa de ter o seu quê de ironia, vindo como vinha dum humanista erasmista como Góis, que estava bem ciente da insistência de Erasmo no estudo das línguas clássicas como processo de melhorar o ensino cristão tradicional. A inclinação que Góis revelou pela Reforma desde a chegada a Antuérpia até ao ano de 1538 deve ser interpretada em parte como sendo o fruto da sua intimidade com Cornelius Grapheus, mas em última análise é o próprio impulso interior que explica a forma favorável como Góis reagiu ao clima espiritual de Antuérpia. A cidade estava dominada por mercadores alemães que importavam e que difundiam ideias reformistas luteranas. Na velhice Góis falou francamente com os inquisidores sobre os contactos sociais que tivera com pessoas de Antuérpia que falavam da reforma e introduziam práticas luteranas, e disse que tinha caído num hábito comum entre homens e mulheres (isto é, o de errar quanto à verdade em religião), rejeitando naquele tempo tanto as indulgências como a confissão oral. Na realidade Góis assimilou muito mais completamente do que queria confessar à Inquisição (maldita) as inovações religiosas com que esteve em contacto em Antuérpia». In Elisabeth Feist Hirsch, The Life and Thought of a Portuguese Humanist, The Hague Netherlands, 1967, Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002, ISBN 972-31-0677-9.

Cortesia de FCG/JDACT