sábado, 3 de maio de 2014

A Boa Esperança surge das Tormentas. Bartolomeu Dias. Luís Albuquerque. «… fora um dos companheiros de Diogo Cão em uma ou nas duas viagens que este fez, aparecendo o seu nome escrito na célebre inscrição de Ielala. É de Bartolomeu e da bem sucedida viagem que ele orientou…»

O primeiro a dobrar o cabo das Tormentas
jdact e wikipedia

«A decisão de enviar nova frota para procurar a ligação do Atlântico com o Índico, que João II havia de tomar imediatamente depois de se ter reconhecido que as duas tentativas de Diogo Cão se concluíram por desilusões, mostra que o rei estava absolutamente convencido de que as duas grandes massas oceânicas se comunicavam. Em todo o caso, é de presumir que o Príncipe Perfeito não esperasse, com a iniciativa então tomada, para dar seguimento a projectos antigos, que os seus enviados, por muito longe que lograssem ir, chegassem até o oriente: com efeito, se tal estivesse na sua ideia, não teria decerto enviado por terra, quase simultaneamente, Afonso Paiva e Pêro Covilhã, este com a missão expressa de obter informações pormenorizadas sobre os centros indostânicos onde comerciavam as especiarias, tarefa de que ele se desempenhou de modo satisfatório. Para pôr em prática a nova tentativa de alcançar aquele objectivo em que se empenhara a fundo desde o início da década de 1480, o monarca mandou aparelhar uma armada de três caravelas, mas a história só registou o nome de uma a S. Pantaleão; esta veio a ser capitaneada por João Infante, e as duas outras tiveram por capitães Bartolomeu Dias, que era igualmente responsável pelo êxito da expedição, e o irmão deste último, Diogo Dias, que o havia de acompanhar como capitão de um navio, na viagem de Pedro Álvares Cabral, e veio a ser o primeiro português a chegar por via marítima à entrada do mar Vermelho, como a seu tempo se dirá neste livro. A navegação destas três caravelas seria entregue a pilotos escolhidos entre os mais práticos e mais famosos daquele tempo, ou seja, Álvaro Martins, João Santiago e Pêro Alenquer.
Ê de salientar que pelo menos João Santiago conhecia bem os mares a que a armada se dirigia, pois fora um dos companheiros de Diogo Cão em uma ou nas duas viagens que este fez, aparecendo o seu nome escrito na célebre inscrição de Ielala. É de Bartolomeu e da bem sucedida viagem que ele orientou que vamos agora falar. A bibliografia sobre este feito e o marinheiro que o levou a cabo é muito vasta. Seguiremos aqui a esplêndida síntese de Damião Peres, publicada na sua História dos Descobrimentos, e bem assim, mas em segundo plano, alguns trabalhos que Gago Coutinho, Luciano Cordeiro, Teixeira da Mota e Armando Cortesão dedicaram ao navegador e a vários dados adquiridos na sua viagem, de decisivo valor para o enriquecimento dos conhecimentos geográficos.
A incerteza sobre a origem e data do nascimento de Bartolomeu é idêntica a semelhantes dúvidas que existem acerca de outros navegadores e aventureiros de que nos temos ocupado. De positivo apenas se sabe que o navegador era escudeiro do rei; que navegou com Diogo de Azambuja até São Jorge da Mina, e ajudou a tomar a fortaleza; que na década de 1491-1500 desempenhou o cargo de recebedor do Armazém da Guiné; e que encontrou a morte no mar em 1500, quando a embarcação que comandava, e ia integrada na armada de Cabral, foi com mais três tragada por uma súbita tempestade, quando navegavam em águas do Atlântico Sul. Além disso, sabe-se que viajou para a Mina em 1497, navegando até Cabo Verde juntamente com a armada de Vasco da Gama.
A sua situação de escudeiro contradiz a hipótese proposta por alguns autores de que teria sido um nobre de alta estirpe. Essa ideia surgiu a partir do apelido de Novais que lhe é acrescentado numa carta de doação da capitania de Angola a um seu neto, assinada em 1571 pelo rei Sebastião; mas a data tardia deste diploma deixa dúvidas quanto à razão que levou a esse acréscimo ao nome de um descendente do navegador. Se o problema da fidalguia do nosso Bartolomeu parece ter sido de vez solucionado, pelo facto de estar documentada a sua condição de escudeiro na corte, já, pelo contrário, não pôde até hoje ser feita de modo concludente a destrinça entre o navegador e vários homónimos, alguns também ligados a actividades marítimas, que viveram pela mesma época. Damião Peres enumera alguns desses homónimos, e os documentos em que são citados foram em parte publicados por Silva Marques; mas além desses, que já não eram poucos, há ainda outros textos com referências a um Bartolomeu Dias. Citar-se-ão primeiramente os diplomas que com muita verosimilhança podem referir-se ao navegador, e depois aqueles que tratam dos seus homónimos. Quanto aos primeiros, temos de enumerar os seguintes:
  • Um alvará, de mercê, datado de 21 de Junho de 1478, que concede a um Bartolomeu Dias o quinto real das presas que tomara, como reembolso de uma quantia despendida no resgate de um escravo do príncipe João, que se encontrava cativo em Génova. O alvará está subscrito por João II, quando ainda príncipe, e diz o seguinte: Nós, o Príncipe, fazemos saber a quantos este nosso alvará virem, que nos praz fazermos por ele mercê a Bartolomeu Dias de todo o quinto que a El-Rei meu Senhor e a nós pertence de haver as presas que ele ora tomou, e isto por os doze mil reais que lhe devíamos por outros tantos que deu por um nosso escravo que achou cativo em Génova [...]
In Luís de Albuquerque, Navegadores, Viajantes, Aventureiros Portugueses, Séculos XV e XVI, Bartolomeu Dias, Editorial Caminho, Lisboa, 1987.

Cortesia de Caminho/JDACT