quarta-feira, 16 de abril de 2014

Simon de Montfort. A figura do Vassalo Perfeito. História Albigeoise. Pierre des Vaux de Cernay. Eduardo L. Medeiros. «Na verdade, podemos ver na crítica herética, ou melhor dito, em parte desta crítica, uma tentativa de apontar os erros e os desvios da instituição eclesiástica, da sua intervenção no poder secular à custa da sua missão espiritual»

jdact e cortesia de wikipedia

«(…) Foi necessário também buscar textos que auxiliassem na compreensão das relações entre senhor e vassalo, bastante presente na Crónica albigense. Para tanto, Sociedade Feudal de Marc Bloch e Senhorio e Feudalidade na Idade Média foram as obras escolhidas para suprir este vácuo. Por fim, a fonte utilizada na nossa pesquisa é a Historia Albigeoise, de Pierre desvaux-de-Cernay. Foi traduzida para o francês por Pascal Guébin e Henri Maisonneuve em 1951 do original contido na Patrologia Latina: História Albigensium et Sacribelli in eos anno 1209 suspect Duce et Príncipe Simone de Monforti, crónica de Petri monachi coenobii Valium Cernaii. Utilizamos esta tradução por ser a mais conhecida pela historiografia relacionada ao tema. O título original nos fornece uma pista da nossa proposta de trabalho, ao incluir o nome de Simon de Monfort, suprimida pela versão francesa. A fonte possui 621 capítulos divididos em três partes principais que possuem subdivisões internas. A primeira parte intitulada Os hereges, está contida entre os capítulos 5 e 19, trata das práticas consideradas heréticas e suas doutrinas, com ênfase na protecção dos senhores do sul francês aos hereges. A segunda parte, Os pregadores, contempla os capítulos 20 até 54. Mostra o envio de missionários até à região em conflito por parte do papa Inocêncio III e a ineficácia na conversão dos hereges. A terceira e última parte do documento, As Cruzadas é também a mais extensa: 557 capítulos subdivididos em 12 partes. Tem como objectivo descrever a Cruzada albigense em todos os seus pormenores, além de exaltar a figura do cavaleiro Simon de Monfort ao mesmo tempo em que deprecia o conde de Toulouse, personificação do verdadeiro perigo da heresia para a Igreja: uma nobreza que apoiasse os hereges e desse suporte a ela, diminuindo o poder eclesiástico nas áreas de sua influência, neste caso, o Midi Francês.

O argumento legitimador
O primeiro objecto norteador de nossa pesquisa foi o elemento desencadeado para a Cruzada albigense, qual seja, o catarismo. Em nosso entender, esta heresia representa o argumento legitimador de um projecto que suplanta o fenómeno ocorrido no Midi francês no início do século XIII. Apresentaremos argumentos que apontem para a génese do processo de unificação do território francês, na figura do rei Filipe Augusto, contando com o apoio do papado, através de Inocêncio III. Uma discussão acerca dos cátaros, porém, parece incompleta, caso não esteja relacionada ao contexto mais amplo do período juntamente com as demais heresias medievais.

As primeiras heresias
As heresias acompanham a história da Igreja Cristã desde sua génese. Segundo Monique Zerner, o problema da heresia nasce com o cristianismo. O período para a construção do corpo canónico do Novo Testamento foi de mais de um século. Este corpo foi constituído de maneira complexa, através de polémica e discussões entre os líderes da chamada igreja primitiva. O resultado deste projecto foi a exclusão daqueles que discordaram da ortodoxia recém-formada, a quem foi atribuído o título de herege. O próprio apóstolo Paulo, durante a primeira metade da década de 60 da Era Cristã, cita em duas ocasiões o termo em suas epístolas. Os primeiros estudos ou descrições acerca das heresias dos primeiros séculos da cristandade encontram-se nos escritos de Santo Agostinho e de Isidoro de Sevilha. O carácter destas heresias era filosófico, doutrinário, ou seja, as discussões envolviam as doutrinas da ortodoxia, como por exemplo, a natureza divina e humana de Cristo, sendo esta uma especulação racional em torno dos princípios ou dogmas cristãos.

As Heresias Medievais
O período compreendido entre os séculos XII e XIII recebe a nomenclatura de séculos heréticos por Nachman Falbel. A intensificação dos movimentos heréticos neste período leva-nos a buscar no contexto europeu, argumentos que justifiquem tal fenómeno. Segundo Falbel:

Na verdade, podemos ver na crítica herética, ou melhor dito, em parte desta crítica, uma tentativa de apontar os erros e os desvios da instituição eclesiástica, da sua intervenção no poder secular à custa da sua missão espiritual; enfim, uma tentativa de alertar a sociedade cristã de que os seus representantes desvirtuaram a verdadeira imagem da religião fundada por Cristo.

Este desvio moral, segundo Henri Daniel Rops, do corpo eclesiástico justifica-se quando verificamos as profundas transformações ocorridas no interior da sociedade medieval, no período imediatamente anterior ao abordado, que merece uma breve menção». In Eduardo Luís Medeiros, Simon de Montfort, A figura do Vassalo Perfeito, História Albigeoise, Pierre des Vaux de Cernay, Ciências Humanas, Letras e Artes, UF do Paraná, Curitiba, 2006.

Cortesia de wikipedia/JDACT