segunda-feira, 21 de abril de 2014

O Mito do Oriente na Literatura Portuguesa. Álvaro Manuel Machado. «Foram as relações entre as civilizações através do Mediterrâneo que, na minha opinião, estiveram na origem de progressos essenciais e do esforço do Ocidente. […] Ora, a primeira parcela do Ocidente a despertar foi a Itália: aqui foi relevante a posição geográfica»

Cortesia de wikipedia

Os mitos históricos são uma forma de consciência fantasmagórica com que um povo define a sua posição e a sua vontade na história do mundo.

Oriente e mitologia dos Descobrimentos. De João de Barros a Bocage
O Renascimento. O Humanismo europeu e o Oriente
«(…) Dir-se-ia, examinando estes factores, verdadeiramente elementares, sem dúvida, mas nos quais talvez não se reflicta com suficiente atenção, que do Oriente dependeu em grande parte o que fez do Ocidente, e mais propriamente da Europa, esse conjunto de culturas distintas apostadas numa sempre insatisfeita curiosidade por tudo o que diz respeito ao homem em si, o homem como possibilidade infinita, separado dos deuses e dos sistemas religiosos instituídos. Por outro lado, paralelamente a estes factores elementares, há aqueles que se relacionam com o desenvolvimento de uma certa burguesia mercantil, desenvolvimento que passa necessariamente pelo Oriente. E aqui intervém o papel fundamental desempenhado pela Itália renascentista na relação Oriente-Ocidente.
O historiador francês Lefebvre, numa obra básica de introdução geral à moderna historiografia, La naissance de l’historiographie moderne (Paris, 1971), releva justamente essa relação Oriente-Ocidente a partir do Mediterrâneo e sobretudo da Itália: Foram as relações entre as civilizações através do Mediterrâneo que, na minha opinião, estiveram na origem de progressos essenciais e do esforço do Ocidente. […] Ora, a primeira parcela do Ocidente a despertar foi a Itália: aqui foi relevante a posição geográfica. Situada no meio do Mediterrâneo, a península encontrava-se, entre todo o Ocidente, na posição mais favorável para entrar em contacto com Bizâncio e com os Muçulmanos. […] Esta situação teve como consequências o conhecimento das civilizações bizantina e muçulmana e, dentro de pouco tempo, uma notável superioridade económica.
Um outro historiador, que é um clássico alemão da investigação histórica sobre o período do Renascimento italiano, Burckhardt, faz notar que muito do que foi a difusão do humanismo renascentista na Europa a partir da Itália se deve à fascinação por um Oriente longínquo que, paralelamente à herança greco-latina, libertava o homem do peso da teologia medieval. Por um lado, havia o gosto da viagem: Lorsque les Italiens se furent établis à demeure dans tous les porte orientaux de la Méditerranée, les plus entreprenants d’entre eux prirent naturellement le goût des grands voyages qui entraînaient la race mahométane. (…) Quelquesuns, comme les Polo de Venise, furent emportés par le tourbillon de la vie mongole et arrivèrent ainsi jusqu’aux marches du trône du Grand Khan. Por outro lado, havia o culto de uma imaginação que sentia frequentemente o apelo do exótico. Essa imaginação, que, para citar ainda Burckhardt, define o essencial do espírito renascentista em Itália, leva inclusivamente a uma certa tolerância perante a religião islâmica: […] le contact fréquent et intime avec des Byzantins et des mahométans avait de tout temps maintenu une tolérance, une neutralité devant laquelle s’effaçait jusqu’à un certain point l’idée ethnographique d’une chrétienté d’Occident privilégiée.
Assim, se o humanismo renascentista europeu surge e se desenvolveu a partir dos grandes modelos greco-latinos, nem por isso o Oriente deixou de acompanhar essa revitalização da cultura clássica a nível da própria vida quotidiana». In Álvaro Manuel Machado, O Mito do Oriente na Literatura Portuguesa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Instituto Camões, Biblioteca Breve, Conselho da Europa, Lisboa, 1983.

Cortesia de ICamões/JDACT