domingo, 13 de abril de 2014

Navegadores. Viajantes. Aventureiros Portugueses. Séculos XV e XVI. Luís Albuquerque. «… o intrépido explorador, não sabia escrever; se o soubesse ele mesmo teria dirigido ao rei a história resumida das suas aventuras. As palavras de Veloso mostram que Fernandes se preparava para continuar a devassar a África»

O antigo reino de Monomotapa, ou Zimbabwé, um potentado negro no interior de África
jdact e wikipedia

António Fernandes. O aventureiro na rota do ouro africano
«(…) No caminho de retorno não se esqueceria, contudo, de memorizar todos os factos que pareceram de interesse; assim, e por exemplo, anotou a produção de panos de algodão em Mozambia e em Mozimba, facto que viria mais tarde a ser confirmado; o viajante pôde apurar que, pelo menos da última localidade citada, esses panos eram em parte levados para os mercados do Monomotapa. No decurso da segunda viagem, a actividade exploradora de Fernandes iniciou-se em Inhócua, como claramente se depreende do texto redigido por Gaspar Veloso, mas encaminhou-se pelo reino de Butua; obrigava-se a esse trajecto diversivo pela curiosidade de tomar contacto com outras áreas de produção do ouro. O texto refere o reino de Quitengue, considerado importante por ser um centro rico no procurado metal; existia igualmente ouro em quantidades apreciáveis num reino contíguo, citado pelo nome de Betonga, onde aliás podia ainda ser resgatado marfim em quantidades apreciáveis.
Fernandes não se esquece de informar, talvez por lhe parecer que seria essa a melhor via para o escoamento do precioso metal, que o reino de Quitengue era atravessado por um afluente do rio Save, embora ele o tenha suposto um curso de água subsidiário do Cuama. Em sua opinião, numa pequena ilhota desse rio, que atravessava Quitengue (ilhota cujo nome não mencionou), podiam os Portugueses construir uma feitoria, que apoiasse o comércio do ouro e do marfim por via fluvial. O explorador afirma que todo o ouro daquela terra, bem como o do Monomotapa, não se encontrava para além de dez dias de viagem do referido ilhéu, o que não era exacto para o caso do Monomotapa. Tal entreposto teria, a seu ver, evidentes vantagens sobre a feitoria de Sofala, por ficar muito mais próximo de centros produtores dos dois cobiçados produtos (o marfim e o ouro); desse modo seria mais fácil iludir a interferência dos árabes, que tanto prejudicavam o trato de Sofala.
Incitavam-no a mandar estas opiniões para Lisboa alguns acontecimentos recentes. Na verdade, embora o rei Manuel I houvesse decidido recentemente a construção da fortaleza de Melinde, tinha, por outro lado, mandado derrubar as de Socotorá, de Quíloa e de Angediva; parecia-lhe, pois, que o mesmo devia fazer à de Sofala, não só porque isso iria ao encontro da expectativa dos mouros, mas também porque, com a feitoria em Quitengue, a tão curta distância do tráfico que interessava, a Coroa portuguesa podia retirar claras vantagens comerciais. O depoimento prestado perante Gaspar Veloso pelo degredado e aventureiro termina por estas palavras do feitor áe Sofala: … e todas estas coisas tinha António Fernandes em segredo, sem as cá dizer a ninguém, para as ele dizer a Vossa Alteza. E porque ele torna a Monomotapa, e com risco de morrer, pelas muitas guerras que há, lhe roguei que, se algumas notícias tinha guardadas para dizer a Vossa Alteza de seu serviço, que mas dissesse para eu as escrever a Vossa Alteza, por sempre me dizer que desejava de ir a Portugal para dizer a Vossa Alteza coisas de seu serviço.
Por fim se vê que o intrépido explorador, não sabia escrever; se o soubesse ele mesmo teria dirigido ao rei a história resumida das suas aventuras, como tantos outros fizeram. Além disso, as palavras de Veloso mostram que Fernandes se preparava para continuar a devassar a África; era teimoso e insaciável!» In Luís de Albuquerque, Navegadores, Viajantes, Aventureiros Portugueses, Séculos XV e XVI, António Fernandes, Editorial Caminho, Lisboa, 1987.

Cortesia de Caminho/JDACT