quinta-feira, 10 de abril de 2014

Emilia Pardo Bazán e o Feminismo. Tema na Viragem do século XIX. Luciana Moreira Silva. «Destacada romancista do período do ‘Naturalismo’ e do ‘Realismo’, “Emilia” experimentou também outras formas de escrita. Pretende-se evidenciar como “Pardo Bazán” colocou o seu trabalho ao serviço da questão das mulheres…»

Cortesia de wikipedia

Resumo
O presente texto pretende patentear a vertente mais empenhada da produção escrita da autoria da espanhola Emilia Pardo Bazán (1851-1921). Deixando de lado a faceta mais conhecida desta autora galega, a de romancista, analisar-se-á aqui a sua inserção nas várias vagas do feminismo, bem como a forma com que se envolve na luta pelos direitos das mulheres a partir quer do que escreve para a imprensa periódica, quer das personagens femininas que delineia nos seus contos e do modo como a voz narradora se compromete com elas.

O feminismo em Pardo Bazán e as reivindicações da autora
«A luta pelos direitos das mulheres é um aspecto incontornável do trabalho da autora galega Emilia Pardo Bazán. A presente reflexão analítica ancora-se justamente nesta característica mais reivindicativa e interventiva da autora, que assumiu com grande determinação as lutas feministas, e para as quais contribuíram em larga escala quer as suas experiências pessoais, quer o seu cosmopolitismo. De facto, o conhecimento dos movimentos reivindicativos de mulheres resulta em larga medida das suas viagens (essencialmente a França, mas também Alemanha, Itália, entre outros países) e das leituras que faz de obras estrangeiras, bem como do contexto familiar, designadamente a sua relação com o seu pai, o conde José María Pardo-Bazán y Mosquera, e com Giner de los Rios, amigo da família e destacado filósofo e pedagogo espanhol, que defendia o reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres.
Destacada romancista do período do Naturalismo e do Realismo, Emilia experimentou também outras formas de escrita, que serão alvo de análise neste texto. Pretende-se assim evidenciar como Pardo Bazán colocou o seu trabalho ao serviço da questão das mulheres, como era por ela designada, nomeadamente em contos e também em textos que publicava na imprensa periódica, quer nacional quer internacional. Porém, para se compreender melhor o conceito de feminismo, ou feminismos, será necessária uma rápida abordagem ao conceito, aos contextos em que surge e em que se desenvolve, e clarificar em que medida se pode ligar a autora em questão ao feminismo. Ora, uma excelente definição do que é o feminismo, sem que nunca apareça a palavra mulher, é a que é feita pela filósofa feminista espanhola, Amelia Valcárcel, e que diz o seguinte:

O Feminismo é a tradição política da modernidade, igualitária e democrática, que mantém que nenhum indivíduo da espécie humana deve ser excluído de nenhum bem e de nenhum direito devido ao seu sexo. Feminismo é pensar normativamente como se o sexo não existisse. Portanto o feminismo não é um machismo ao contrário mas algo muito diferente: uma das tradições políticas fortes igualitárias da modernidade, provavelmente a mais difícil também, posto que se opõe à hierarquia mais ancestral de todas. (2004)

Assim, o feminismo é um movimento que se bate pela igualdade entre os sexos e exige a abolição de todos os tipos de hierarquização e subalternização que foram impostos à mulher, durante séculos. Olhando para trás e para o início da consciencialização das mulheres, ou melhor, para o início do seu despertar para a necessidade de mudar a sua condição, é actualmente possível dividir o feminismo em três vagas de acordo com a época em que se dão e as reivindicações principais que marcam cada uma dessas vagas. Assim, a primeira vaga, que Amelia Valcárcel designa por Iluminista, e que começa com a Revolução Francesa e vai até 1840 / 1850, com a Declaração de Séneca Falls, (em 1848, nos EUA, um grupo de várias mulheres e homens juntaram-se em Séneca Falls, perto de Nova Iorque, para assinar uma declaração que pretendia alcançar a cidadania para as mulheres e a modificação dos costumes e da moral exigidos às mulheres. O documento ficou conhecido como Declaração de Séneca Falls e viria a ser o primeiro documento de reivindicação do sufrágio feminino, in Valcárcel, 2004, nos Estados Unidos, é caracterizada pelo reconhecimento da igualdade de inteligência e pelo direito à educação. De facto, é aí que tudo começa. Antes de qualquer outra reivindicação, as mulheres tiveram de exigir que lhes fosse reconhecida a capacidade intelectual, num mundo dominado por homens, onde se via a mulher como ser intelectualmente inferior e como se essa inferioridade fosse algo de inato, e não o resultado da falta de instrução.
Ainda na esteira de Valcárcel, a segunda vaga é a chamada Liberal-Sufragista. Começa em meados do século XIX, com a Declaração de Séneca Falls já referida, e vai até ao fim da II Guerra Mundial, sensivelmente. Esta vaga vai reivindicar, por um lado, os direitos educativos, pois, embora a educação estivesse assegurada, ela era feita de um modo distinto da educação masculina e, para além disso, o acesso às instituições de ensino superior era vedado, ou muito dificultado, às mulheres. Por outro lado, e como aquela declaração já deixava claro, trata-se agora de uma luta pelo direito civil e político do voto, pelo que, em vários países, se organizaram movimentos sufragistas no sentido de reivindicar esse direito para as mulheres, o que foi sendo conseguido gradualmente e, em alguns países, bem depois do fim da II Guerra Mundial. Por fim, conseguida a aceitação da igualdade intelectual entre homens e mulheres, o direito a uma educação igualitária e ao ensino superior, bem como a profissões a que antes não tinham direito a aceder, e ainda o direito ao voto, as reivindicações serão agora de ordem distinta, pois a igualdade tão ansiada ainda não é uma realidade. Assim surge a terceira vaga, o feminismo de sessenta-e-oito, (o nome é uma clara referência às manifestações em França, em Maio de 1968, e ao que elas também representaram para as mulheres, ou seja, o despertar para uma nova necessidade de intervenção e de reivindicação daquilo que não estava ainda sedimentado na sociedade) segundo Valcárcel. Esta última vaga, que se mantém até aos nossos dias, é a do feminismo contemporâneo e faz uma reivindicação dos direitos civis e reprodutivos, de modo a garantir que a mulher possa escolher se quer ou não ser mãe. Reivindica também a paridade política e profissional e o reconhecimento do lugar das mulheres num mundo globalizado. Trata-se aqui de alguns direitos que vão sendo conseguidos, de forma gradual em diferentes países, e de outros ainda em discussão aberta».
In Luciana Moreira Silva, Emilia Pardo Bazán e o Feminismo, Tema na Viragem do século XIX, Centro de Estudos Sociais, Laboratório Associado, Universidade de Coimbra, oficina 404, 2013, ISSN 2182-7966.

Cortesia de UCoimbra/JDACT