quinta-feira, 3 de abril de 2014

As Máscaras do Passado. Maria de Fátima Marinho. «It was the best of times, it was the worst of times, it was the age of wisdom, it was the age of foolishness, it was the epoch of belief, it was the epoch of incredulity, it was the season of Light, it was the season of Darkness»

Cortesia de wikipedia

«A impossibilidade de transformar o texto no espelho da realidade tem consequências estruturais e conceptuais difíceis de ignorar, implicando a ausência de objectividade. Se isto é verdade para qualquer tipo de texto, não deixa de ser verdade quando o discurso se debruça sobre matéria histórica, instaurando um constrangimento entre a liberdade do escritor e o conhecimento (lacunar, imperfeito, pouco importa) do facto do passado. A certeza de que a imparcialidade não existe justifica e legitima o início do romance A Tale of Two Cities, de Charles Dickens, publicado em 1859, mas que parece já reflectir as preocupações presentes nos textos da segunda metade de novecentos:

It was the best of times, it was the worst of times, it was the age of wisdom, it was the age of foolishness, it was the epoch of belief, it was the epoch of incredulity, it was the season of Light, it was the season of Darkness, it was the spring of hope, it was the winter of despair, we had everything before us, we had nothing before us, we were all going direct to Heaven, we were all going direct the other way. (Dickens 1985)

A caracterização que é feita de uma mesma época através de enunciados contraditórios deixa antever a disparidade de focalizações e, simultaneamente, a falência de um conhecimento seguro. Pierre Barbéris faz a distinção entre História, História e história, partindo do facto objectivo até à sua textualização histórica e literária. Se atentarmos no que afirma Teolinda Gersão:

A História começa onde começa a escrita (…). Antes é apenas um tempo informe e sem medida. (Gersão 1984)

Percebemos que, mesmo quando se trata de enunciados pretensamente científicos, devemos sempre contar com a descodificação das condicionantes externas, como a convenção ou o discurso da autoridade e posterior codificação em outros modos de percepcionar o real. Perante a certeza da total ilusão de realidade, o sujeito narrativo não se preocupa em escrever a verdade, mas delega essa responsabilidade nas vozes autorais de outros tipos de discurso, acabando por se compenetrar de que a realidade é frequentemente ficção. O difícil equilíbrio entre o real e a sua transposição para a escrita traduz-se de variados modos e, ao longo dos tempos, por formas, frequentemente, opostas, de trabalhar a História como matéria literária. Peter Burke, no valioso ensaio The Renaissance Sense of the Past, chama a atenção para as anacronias presentes ao longo dos tempos, para a ausência de perspectiva histórica na Idade Média e para as alterações que as relações entre História e Literatura foram sofrendo até ao século XIX. Burke acentua também a diferença entre aparência e realidade, na medida em que o jogo que se estabelece entre as duas se revela gerador de sucessivas máscaras, que o texto esconde e desvenda, num vertiginoso movimento. Agustina afirma que No fundo, o que interessa ao historiador não é a verdade, mas uma teoria, o que vem corroborar a ideia de que a verdade não existe e que se tenta a todo o custo atingir algo que escapa e desaparece, sempre que parece estar ao alcance do conhecimento. Burke demonstra que a perspectiva histórica implica a ausência de duas coordenadas: esquecimento do passado e demasiada identificação com ele». In Maria de Fátima Marinho, As Máscaras do Passado, Universidade do Porto, Revista Limite, nº 2, 2008, ISSN 1888-4067.

Cortesia da UPorto/JDACT