domingo, 9 de março de 2014

Trompete. Jazz. Hugo Alves. Poesia. «E, afastados da aldeia e dos casais, eu contigo, abraçado como as heras, escondidos nas ondas dos trigais, devolvia-te os beijos que me deras; quando, se havia lama no caminho, eu te levava ao colo sobre a greda, e o teu corpo nevado como arminho pesava menos que um papel de seda...»

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Setentrional
Talvez já te esquecesses, ó bonina,
que viveste no campo só comigo,
que te osculei a boca purpurina,
e que fui o teu sol e o teu abrigo.

Que fugiste comigo da Babel,
mulher como não há nem na Circássia,
que bebemos, nós dois, do mesmo fel,
e regámos com prantos uma acácia.

Talvez já te não lembres com desgosto
daquelas brancas noites de mistério,
em que a Lua sorria no teu rosto
e nas lajes campais do cemitério.

Quando, à brisa outoniça, como um manto,
os teus cabelos de âmbar, desmanchados,
se prendiam nas folhas dum acanto,
ou nos bicos agrestes dos silvados.


E eu ia desprendê-los, como um pajem
que a cauda solevasse aos teus vestidos,
e ouvia murmurar à doce aragem
uns delírios de amor, entristecidos.

Quando eu via, invejoso, mas sem queixas,
pousarem borboletas doudejantes
nas tuas formosíssimas madeixas,
daquela cor das messes lourejantes.

E no pomar, nós dois, ombro com ombro,
caminhávamos sós e de mãos dadas,
beijando os nossos rostos sem assombro,
e colorindo as faces desbotadas;
[…]
Poema de Cesário Verde, in ‘Poesias Dispersas’

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