segunda-feira, 31 de março de 2014

Sociedade no 31. História das Nossas Avós. Retrato da Burguesa em Lisboa (1890-1930). Cecília Barreira. «Actualmente entre nós a arte de cozinhar e comer, degrada-se, como tudo o mais, por falta de coesão nos gostos do público e por culpa dos inovadores acéfalos, para quem as coisas nacionais não valem a mais reles…»

jdact e wikipedia

«(…) E é assim que a mulher moderna, aquela que faz a verdadeira vida mundana, passa os dias, as semanas e os meses numa féerie deslumbrante de trajes onde a arte feminina e subtil da mulher traçou requintes de graça e beleza.
Mas é talvez o cabelo à garçonne que detém mais carisma, nesses anos 20. Em 1927, apesar dos cabelos à garçonne se terem implantado ainda antes dos anos 20 em França, referia-se a nova moda, como algo de profundamente revolucionário. Debatia-se, claro está, se eventualmente em Espanha ou em Portugal a moda invadia os hábitos e os costumes femininos. Negativa era a resposta da Voga.
Apesar de haver um grande número de mulheres que conduzia automóveis em Paris, (cerca de 2000 em 1927); 675 inscritas nas Faculdades de Ciências, bem como 897 em Medicina, isso não significava para o caso português qualquer analogia. No entanto, estes exemplos que a todo o momento se referiam, eram um claro incentivo a uma prática diferente por parte das nossas compatriotas.
Na culinária as influências francesas eram imensas. Fialho de Almeida em Os Gatos, em 1916, protesta: Actualmente entre nós a arte de cozinhar e comer, degrada-se, como tudo o mais, por falta de coesão nos gostos do público e por culpa dos inovadores acéfalos, para quem as coisas nacionais não valem a mais reles boutade anglo-gaulesa.
Bem se podia lamentar Fialho de Almeida das influências francesas e inglesas na cozinha e nos menus portugueses. Em 1926 na rubrica Culinária da Eva as receitas eram na base de Beignets de queijo, Biftecks au cresson e Abatises de peru de cabidela. A cozinha, como aliás tudo o mais, era francesa.
Mas havia a excepção que, sem confirmar a regra, já surgia no horizonte de influências. Referimo-nos às tendências americanas e inglesas denunciando pela primeira vez um outro tipo de atitudes que não as gaulesas
A partir de 1911 começam a surgir na revista Serões artigos sobre a educação das americanas. Nomeadamente no que respeita a coeducação, praticada nas escolas. A prática dos desportos em vários países europeus é descrita com grande sentido do pormenor em a Ilustração Portuguesa, ABC, Voga e Eva, No ABC de 1923 fala-se concretamente da Mulher Moderna como sendo uma condição adquirida pela norte-americana. Por sua vez, começam a surgir artigos sobre a alemã, a sua preparação física e apetência para o desporto.
Em 1908 a Ilustração Portuguesa já assinalava na mulher alemã uma forte inovação no que dizia respeito ao campo profissional. Eram escritoras, pintoras, escultoras, doutoras nas mais variadas áreas. A rapariga de hoje, o Backfisch, como familiarmente é designada, entrega-se às diversões do sport o que noutro tempo seria escandaloso; patina, joga o ténis, monta a cavalo, toma parte em regatas e certames de natação.
Mas o que é curioso é o modo como se refere esta alteração de hábitos nas raparigas alemãs. Era a influência norte-americana que se desenhava num-retraimento da influência francesa. Outro aspecto que se assinalava era a frequência por parte das mulheres alemãs, e aí era nítida a influência norte americana dos cafés da época. No Sul da Europa só o sector masculino se deslocava aos cafés». In Cecília Barreira, História das Nossas Avós, Retrato da Burguesa em Lisboa (1890-1930), Edições Colibri, Colecção Sociedade & Quotidiano, 1994, ISBN 972-8047-63-0.

Cortesia de EColibri/JDACT