sexta-feira, 21 de março de 2014

Porque foi Conquistada Ceuta? O arranque dos Descobrimentos. Paulo Jorge Pinto. «… há que dizer que a conquista de Ceuta pouco teve que ver com as viagens de descobrimento subsequentes; enquadrou-se na tradição medieval da guerra entre o mundo cristão e o muçulmano. Tratando-se de uma cidade que 'fecha' o estreito de Gibraltar…»

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O ‘Arranque’ dos Descobrimentos
Porque foi conquistada Ceuta?
«(…) A turbulência política, as guerras com Castela, as pestes e o ambiente de crise do século XIV não permitiram a retomada destes velhos projectos. Porém, a chegada ao poder da nova dinastia de Avis, desejosa de obter prestígio junto do papa e da cristandade, e a formação de um novo quadro social, com sectores da burguesia lisboeta à procura de oportunidades de negócio e uma nova nobreza irrequieta e sedenta de poder e honrarias, propiciavam uma iniciativa deste género.
João I estava receptivo e tornou-se gradualmente um entusiasta da expedição militar. O alvo de Ceuta parece ter sido sugerido por João Afonso, um burguês de Lisboa. O projecto foi amadurecido durante vários anos, mas só se tornou viável após a assinatura das pazes com Castela, em 1411.
Outra ideia a considerar é a de que a expedição a Ceuta teve muito de improvisação e de decisão de momento. Nada permite vislumbrar, como por vezes é apresentado, que se tratou de um projecto previamente traçado, como parte de um plano de expansão concebido a priori. Por exemplo, sabe-se que o alvo inicial, o mais cobiçado e natural, era Granada e não Ceuta, mas que o facto de ser geralmente aceite que aquele reino estava reservado a Castela e o receio de hostilizar os vizinhos, arriscando reacender uma guerra que ninguém desejava, levou os líderes portugueses a desviar a sua atenção. Ceuta era uma cidade muçulmana, rica, e base dos corsários que fustigavam as costas algarvias; controlava o Estreito e era, por consequência, um ponto estratégico muito importante.
Tratava-se, portanto, da escolha ideal. Ainda assim, quando a armada rumou para sul, o rei reuniu o conselho para uma decisão final, e houve quem achasse preferível a conquista da vila de Gibraltar em vez de Ceuta e também quem defendesse o regresso da armada a Portugal. Do mesmo modo, após a vitória e o saque, os Portugueses hesitaram entre manter a cidade ou abandoná-la, porque já se vislumbravam as dificuldades e os custos do seu sustento.
Por fim, há que dizer que a conquista de Ceuta pouco teve que ver com as viagens de descobrimento subsequentes; pelo contrário, enquadrou-se perfeitamente na tradição medieval da guerra entre o mundo cristão e o muçulmano. Tratando-se de uma cidade que fecha o estreito de Gibraltar, o seu domínio articulava-se com preocupações geoestratégicas típicas do mundo mediterrânico e não do atlântico. A ideia de que os Portugueses ficaram deslumbrados com as riquezas alegadamente vindas do Oriente e que sonharam encontrar a fonte das mesmas, congeminando uma forma de lá chegar, não passa de um devaneio romântico.
Há, de facto, um denominador comum entre a conquista de Ceuta e as viagens de descobrimento: o infante Henrique. Foi, de facto, o homem que simultaneamente se assumia como um feroz partidário da cruzada marroquina e o promotor e financiador das viagens que, pouco depois, começaram a explorar o Atlântico. Mas tratava-se de dois planos distintos, um claramente principal e o outro, acessório e menor. A ideia de que Ceuta o inspirou para impulsionar as viagens deve ser entendida no seu contexto devido: o centro das suas atenções era, nesta fase, Marrocos e não as regiões desconhecidas que se estendiam para sul. Só gradualmente é que, com o fracasso das aventuras militares, as viagens de descobrimento ganharam relevo, autonomia e dinâmica próprias». In Paulo Jorge Sousa Pinto, Os Portugueses Descobriram a Austrália? Porque foi Conquistada Ceuta? O arranque dos Descobrimentos, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-498-7.

Cortesia de E. dos Livros/JDACT