domingo, 23 de março de 2014

Leituras. Ao Encontro de Espinosa. António Damásio. «A palavra homeostasia descreve este conjunto de processos de regulação e, ao mesmo tempo, o resultante estado de vida bem regulada. No curso da evolução biológica, o equipamento inato e automático do governo da vida tornou-se muito sofisticado»

Níveis da regulação homeostática automática
Cortesia de wikipedia

Os Apetites e as Emoções
As Emoções Precedem os Sentimentos
«(…) O que me lembra James Joyce, quando diz em Ulisses: Shakespeare é a coutada feliz de todos os espíritos que perderam o seu equilíbrio. Chegados aqui, é altura de perguntar: porque é que as emoções precedem os sentimentos? A minha resposta é simples: temos emoções primeiro e sentimentos depois porque, na evolução biológica, as emoções vieram primeiro e os sentimentos depois. As emoções foram construídas a partir de reacções simples que promovem a sobrevida de um organismo e que foram facilmente adoptadas pela evolução. Tem-se a impressão de que os deuses deram grande esperteza natural às criaturas que queriam salvar. Com efeito, muito antes dos seres vivos terem uma inteligência criadora e ainda antes de terem cérebros propriamente ditos, é como se a natureza tivesse decidido que a vida era, ao mesmo tempo, extremamente precária e extremamente preciosa. É claro que sabemos que a natureza não funciona de acordo com os planos de nenhum arquitecto e não decide como os artistas ou engenheiros decidem, mas talvez a metáfora nos ajude. Todos os organismos vivos, desde a humilde amiba até ao ser humano, nascem com dispositivos que solucionam automaticamente, sem qualquer raciocínio prévio, os problemas básicos da vida. Esses problemas são os seguintes:
  • encontrar fontes de energia;
  • incorporar e transformar energia;
  • manter, no interior do organismo, um equilíbrio químico comparável com a vida; 
  • substituir os sub-componentes que envelhecem e morrem de forma a manter a estrutura do organismo;
  • defender o organismo de processos de doença e de lesão física.
A palavra homeostasia descreve este conjunto de processos de regulação e, ao mesmo tempo, o resultante estado de vida bem regulada. No curso da evolução biológica, o equipamento inato e automático do governo da vida, a máquina homeostática, tornou-se muito sofisticado. Na base da organização da homeostasia encontramos respostas simples, tais como a de aproximação (approach) ou de retraimento (withdrawal) de um organismo inteiro ern relação a um determinado objecto; ou a de excitação ou quiescência. Nos níveis mais altos da organização encontramos respostas competitivas ou de cooperatividade. Podemos imaginar a máquina da homeostasia como uma árvore bem alta e larga em que os variados ramos são os fenómenos automáticos da regulação da vida. Em organismos multicelulares, caminhando do chão para o topo, eis o que devemos encontrar neste árvore.

Nos Ramos Mais Baixos
O processo de metabolismo. Este processo inclui componentes químicos e mecânicos (por exemplo, secreções endócrinas/hormonais; contracções musculares relacionadas com a digestão) que mantêm o equilíbrio químico interior. Estas reacções governam o ritmo cardíaco e a pressão arterial, dos quais depende a distribuição apropriada do fluxo sanguíneo no corpo; os ajustamentos da acidez e da alcalinidade do meio interior (os fluidos que circulam no sangue e nos espaços entre as células); e o armazenamento e distribuição de proteínas, lípidos e hidratos de carbono, necessários para abastecer o organismo de energia, que, por sua vez, é necessária para o movimento, para a manufactura de enzimas e para o manter e renovar da estrutura do organismo.

Os reflexos básicos. Incluem o reflexo de startle (reflexo de alarme ou susto) que os organismos exibem quando reagem a um ruído inesperado, e os tropismos ou taxes, que levam os organismos a escolher a luz e não o escuro, ou a evitar o frio e o calor extremos.

O sistema imunitário. É um sistema que defende o organismo de vírus, de bactérias, de parasitas e de moléculas tóxicas que o podem invadir do exterior. Curiosamente, o sistema imunitário também está preparado para manejar moléculas que normalmente residem em células saudáveis do organismo e que se podem tornar tóxicas quando as células doentes ou mortas as libertam no meio interior (por exemplo, o ácido glutâmico e o ácido hianorónico). Em suma, o sistema imunitário constitui uma primeira linha de defesa dos organismos vertebrados quando a sua integridade é ameaçada, quer do exterior quer do interior».

In António Damásio, Ao Encontro de Espinosa, As Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir, Publicações Europa-América, Fórum da Ciência, 2003, ISBN: 972-1-05229-9.

Cortesia de PEA/JDACT