domingo, 30 de março de 2014

História do Romantismo em Portugal. Ideia geral do Romantismo. Garrett, Herculano, Castilho. Teófilo Braga. «… o primeiro que formulou o principio, o homem é obra de si mesmo, que, na Scienza Nuova achou uma lei racional da vida collectiva do homem sobre a terra, esse mesmo…»

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NOTA: Conforme o original

Causas do Romantismo.
Erudição medieval dos historiadores modernos
«(…) Apesar da immensa elaboração económica e scientifica, o século XIX distingue-se principalmente pelo génio histórico: a renovação intellectual partiu da abstraçao metaphysica para a critica, das hypotheses gratuitas para a sciencia das origens, do purismo rhetorico para a philologia, oppoz aos designios providenciaes o individualismo, deu ás sciencias académicas, que serviam para alardear erudição, um intuito serio indagando nos factos mais accidentaes os esforços do homem na sua aspiração para a liberdade; só em um periodo assim positivo é que se podia achar a unidade de tamanha renovação; essa unidade é a Historia. Quebraram-se as velhas divisões da historia sagrada e profana, de historia antiga e moderna; todas as creações do homem, por mais fortuitas merecem hoje que sejam estudadas nos documentos que restam; as instituições sociaes, as industrias, os dogmas, o direito, as línguas, as invasões, as obras inspiradas pelo sentimento, os costumes, superstições, são objecto de outras tantas sciencias, separadas por methodo para melhor exame, mas comparadas e unidas, em um único fim, a sciencia do homem. Em todas estas creações da actividade humana, o fatalismo supplanta nos períodos primitivos a liberdade, o sentimento suppre a falta do desenvolvimento da rasão, a auctoridade impõe-se á consciência e á responsabilidade moral, emfim a paixão não deixa ao homem a posse plena de si mesmo, o acto praticado revela quasi sempre ura paciente em vez de um órgão activo. A historia religiosa ou politica, a historia das invenções, a historia da linguagem, mostram-nos o homem n'este estado secundario, n'esta dependência de espirito; terror sagrado e auctoridade, acaso, e formação anonyma provocada pela necessidade de uma communicação immediata, são moveis violentos que arrastam o homem em vez de serem exercidos e dirigidos pela sua liberdade. Nas condições sentimentais em que entra já um elemento de rasão não acontece assim: as creações artisticas não são provocadas pelo interesse, não têm um fim calculado, não se impõem dogmaticamente, não se exigem, nem são fatalmente necessárias. Isto prova o seu grande valor, a sua proximidade dos resultados finaes d'esta grande e unitária sciencia do homem.
É por isso que no século que soube conceber a filosofia da historia, que soube deduzir da discordância das religiões e das linguas, das raças e dos climas uma harmonia superior, a tendência para a perfectibilidade indefinida do homem, só a esse século competia lançar as bases positivas da historia das litteraturas. Dá-se aqui uma coincidência que explica este facto; o primeiro que formulou o principio, o homem é obra de si mesmo, que, na Scienza Nuova achou uma lei racional da vida collectiva do homem sobre a terra, esse mesmo, o inaugurador da philosophia da historia, Vico, propoz do modo mais racional as bases da critica homérica e a verdadeira theoria da evolução do teatro grego. N'estes dois processos estavam implicitos os modos como a moderna historia procede no exame das litteraturas.
Foi também Schlegel, o que primeiro fez sentir a unidade das linguas indo-europêas, o mesmo que determinou a lei orgânica que dirigiu a elaboração das Litteraturas novo-latinas. Repetimos, a historia das litteraturas é uma creação moderna; quando Aristóteles ou Quintiliano observaram o modo de revelar os sentimentos nas obras da litteratura grega, achavam n'ellas, é verdade, um produto vivo, mas não procuravam a espontaneidade da naturesa, procuravam o canon rhetorico dentro do qual ella devia ficar restricta todas as vezes que precisasse exprimir sentimentos análogos. Eusthato e Donato, estudando Homero ou Virgilio, não iam mais longe do que a colligir as tradições da escola que bordaram a vida dos poetas, separados da sua obra e peior ainda da sua nacionalidade. Os trabalhos de Struvio e Fabricio reduziram-se a vastas indagações bibliographicas dos monumentos que restavam da antiguidade. Os jurisconsultos da escola cujaciana, animados com o espirito critico da Renascença, tiveram por isso mesmo um vislumbre mais verdadeiro do que viria a ser a historia das litteraturas; elles foram ás obras litterarias do teatro romano, ás satyras de Juvenal e Horácio procurar a colisão dos interesses sociaes para recompôrem o sentido dos fragmentos das leis que se haviam perdido n'esta renovação da Europa chamada os tempos modernos». In Teófilo Braga, História do Romantismo em Portugal, Ideia geral do Romantismo, Garrett, Herculano, Castilho, Nova Livraria Internacional, Imprensa Sousa Neves, Lisboa, 1880.

Cortesia NLInternacional/JDACT