sexta-feira, 21 de março de 2014

História da Europa Medieval. Papa Negro. Ernesto Mezzabota. «Quase todos usavam na sociedade um nome aclamado e respeitado; muitos deles, quer pelo talento, quer pela espada, ocupavam nas cortes dos reis da Europa posições distintíssimas. E por isso as forças daqueles trabalhadores da sombra…»

Cortesia de wikipedia

O Peregrino
«(…) Sim, responderam das quatro portas da sala quatro homens, que, de espada na mão, guardavam as entradas. Somos nós todos irmãos?... Há entre nós algum desconhecido, algum de quem o sagrado nomeador não saiba o nome? Poderemos nós ter receio de sermos traídos?... Um dos frades levantou-se e caminhou até meio da sala. A todos conheço e afianço, disse ele, excepto ao desconhecido, que está sentado ao teu lado. O velho ergueu a mão, como para dizer que sabia do que tratava, e prosseguiu assim: Se entre nós há algum tímido ou medroso; se aqui alguém, que não tenha a coragem de assistir aos terríveis mistérios da nossa ordem, esse que jure guardar silêncio e que se retire. Mais tarde não lhe seria isso permitido, e a covardia e a traição seriam punidas com a morte. Ninguém se moveu. Todos os indivíduos ali reunidos eram homens de rija têmpera e de fé inquebrantável, que já cem vezes tinham ouvido aquela advertência, sem que lhes estremecesse os corações de bronze. Agora, que estamos aqui todos experimentados e invencíveis na nossa fé, concluiu ele é tempo de descobrir os rostos e do nos vermos abertamente. Senhores, está aberta a sessão dos Cavaleiros Templários!...

A assembleia dos templários
A um sinal do ancião os capuzes e as túnicas desapareceram como por encanto. Viram-se então naquela sala homens de várias idades, de fisionomias diversas, mas todos uniformemente cobertos de reluzente aço. Vestiam todos a armadura completa dos cavaleiros da Idade Média, tendo vestida uma túnica. Na couraça de cada um brilhava a cruz de ouro, distintivo da ordem do Templo. Eram aqueles, com efeito, os restos da poderosa associação, que fizera tremer a Europa, e que, na opinião do vulgo, fora destruída havia dois séculos. O que era, porém, verdade era que, com aquela força invencível, que provém do segredo e das riquezas, os Templários se tinham perpetuado obscuramente através dos séculos, vencendo perigos inauditos, conservando e guardando o segredo em meio dos tormentos, com os olhos sempre postos num futuro, que, por muito distante, teria feito desanimar qualquer outro, mas que não conseguia desanimar aqueles homens de ferro. Reunidos, estavam sem máscara; conheciam-se todos e sabiam quais eram as qualidades e o poder de cada um. Quase todos usavam na sociedade um nome aclamado e respeitado; muitos deles, quer pelo talento, quer pela espada, ocupavam nas cortes dos reis da Europa posições distintíssimas. E por isso as forças daqueles trabalhadores da sombra iam-se estendendo cada vez mais, e os chefes aguardavam com um frémito de esperança o momento em que a sua ordem, convertida em soberana, poderia retomar à face da Europa e do mundo o lugar que lhe competia.
O nomeador, espécie de secretário que tinha os registos, principiou a chamada: Barão de Beaumanoir! Presente!... respondeu o ancião, que presidia à assembleia, erguendo-se. O nome de Beaumanoir, ilustre entre todos na história dos Templários e na da França, era altiva e nobremente usado pelo célebre guerreiro, cuja reputação era imensa nos exércitos franceses. Percy de Sussex!... prosseguiu o nomeador. O conde britânico levantou-se, e todos admiraram a sua estatura gigantesca e a altivez da sua fisionomia leal. Pedro Calderon!... Francisco Burlamacchi!... Ulrico Zuinglio!... Guarniero de Hatzing!... Todos respondiam à chamada, à medida que iam sendo pronunciados os nomes. Aqueles representantes das diversas nações da Europa apresentavam nas fisionomias a diferença que havia nas suas origens. Assim, a barba farta e áspera de Calderon, o seu rosto anguloso e ossudo, contrastavam com o rosto quase infantil e cheio de indizível doçura de Francisco Burlamacchi; e Zuinglio, o reformador suíço, que mais tarde devia sucumbir na batalha contra os católicos, homem de aspecto severo, pálido, de poucas palavras estava em absoluta oposição com o barão de Hatzing, cujas face rosadas e cabelos louros davam imediatamente a conhecer um saxão, ainda ao observador menos perspicaz. Inácio de Loiola!... chamou, por último, o nomeador. Presente! Respondeu com voz solene o peregrino, que fora o último a chegar.
Os seis chefes voltaram então o olhar para o lado daquele seu companheiro, e parece que só então repararam que ele era o único que se apresentava com as vestes andrajosas no meio daquela fúlgida reunião, em que todos estavam com as suas brilhantes armaduras. Irmão, disse Beaumanoir, com acento de afectuosa deferência, irmão, o teu disfarce, agora que estás connosco, já de nada serve. Desde o dia em que nos deixaste, faz agora três anos, que nós conservamos com reverente afecto a esplêndida armadura, que para ti foi cinzelada pelo melhor artista de Toledo. Irmãos escudeiros, trazei a armadura, e vesti-a ao senhor de Loiola. Dois dos irmãos levantaram-se e iam a encaminhar-se para uma das portas da sala, quando Inácio os deteve com um gesto, dizendo: É inútil. Estes andrajos, que trago vestidos, já não são indícios de pobreza; mas um voto, que fiz, me obriga a trazê-los. Apesar disso, irmão Loiola… Apesar disso, irmão Beaumanoir, os estatutos da nossa ordem conferem a qualquer irmão o direito de se vincular por qualquer voto, contanto que este não seja contrário ao fim supremo da associação. O tom em que Loiola pronunciara aquelas palavras era tal que não se podia insistir, a menos que não se quisesse entrar em questão com o estranho Templário; por isso, Beaumanoir fez um sinal e o nomeador continuou a chamada. Debaixo daquelas abóbodas ressoaram então os nomes mais ilustres da Europa, já pela nobreza de sangue, já pelo alto valor nas artes, nas ciências, nas armas e no governo. Estava ali um senado capaz de reger o mundo inteiro sem custo algum!... Um senado do qual um dos chefes era Inácio de Loiola, o génio mais potente de organização, que aparecera no mundo antes de Bonaparte!...» In Ernesto Mezzabota, O Papa Negro, História da Europa Medieval e seus costumes, tempo da narrativa; entre 1500 -70 d. C, 1848, Rio de Janeiro, 1947, corrigido por Milton Barros Carvalho, Brasil, 2009.

Cortesia de wikipedia/JDACT