terça-feira, 18 de março de 2014

História da Europa Medieval. Papa Negro. Ernesto Mezzabota. «O sétimo chefe! Aquele que nós julgávamos morto! O mais audaz, o mais forte de todos! Agora os Templários caminharão avante! O núcleo das nossas forças revigorou-se!»

Cortesia de wikipedia

O Peregrino
«(…) No modo como ele olhava para todos aqueles enfermos de corpo e da alma era fácil descobrir a atroz tranquilidade de um inquisidor, cujo máximo prazer seria meter nos horrendos cárceres, ou deitar às fogueiras, um povo inteiro, repetindo as horríveis palavras dirigidas pelo abade de Citeaux a Lavaur: Matai, matai tudo: Deus saberá distinguir os que lhe são fiéis! Ao chegar perto do mosteiro, o desconhecido parou e pareceu orientar-se. Decerto o muro que ficava à esquerda da grande porta sofrera alguma alteração, pois que passou e tornou a passar três ou quatro vezes naquele sítio, como se não pudesse acreditar que estava vendo. A porta pequena era aqui, lembro-me bem, murmurava o peregrino. Ter-me-ão os ferimentos perturbado a memória? Terão os meus irmãos dispersos abandonado a abadia, ou deixar-se-iam adormecer na antiga inquietação? E um suor frio inundou a fronte do desconhecido ao vir-lhe aquele pensamento, que evidentemente significaria para ele uma grande desgraça; mas, de repente, soltou um grito de alegria, descobrira, a poucos passos do lugar costumado, aquilo que procurava. Uma grande estrela de madeira dourada erguia-se sobre a arquitrave da pequena porta, que na verdade não parecia merecer tão belo ornamento. Aquela portinha, que teria escapado à observação de quem se colocasse diante da porta principal, tão bem oculta estava pelos ornamentos e florões maciços da fachada, tinha toda a aparência de já não servir havia muito tempo. Uma espessa camada te pó cobria a porta, que em tempo fora pintada de verde. Aos cantos pendiam teias de aranha carregadas de pó, indício seguro de que aquela porta para ali estava esquecida e abandonada, sem servir havia muito. E contudo, se observasse com alguma atenção, era fácil reconhecer que ali devia haver algum mistério; primeiro, porque toda aquela ostentação de abandono tinha em si mesma a prova da sua pouca sinceridade, e depois, porque, apesar de todas as precauções, as dobradiças estavam bem untadas e brilhavam ao sol.
O peregrino esperou que o sol se tivesse escondido de todo e que na esplanada do mosteiro não houvesse ninguém; depois aproximou-se da pequena porta, e, ajoelhando no limiar, disse em verso: Procurei a luz, encontrei as trevas. Bati e a porta estava fechada. Piedade para mim! A pequena porta girou sem ruído nos gonzos e deixou ver a entrada de um escuro corredor. O peregrino, sem mostrar a mínima surpresa por aquele facto, que decerto deixaria cheia de espanto outra qualquer pessoa, escoou-se pelo corredor, e a porta fechou-se-lhe imediatamente nas costas. O misterioso personagem deu dois ou três passos incertos, como quem não sabia o terreno que pisava, porque a mudança, que observara na porta, indicava que o lugar misterioso, que procurava, tinha sido mudado para outra parte do mosteiro. Mas pouco tempo durou a incerteza do viajante. Sentiu apoiar-se-lhe com força nos ombros mão estranha, uma voz murmurar-lhe ao ouvido: Sabes que o caminho que segues pode conduzir-te à morte. Sou um chefe, respondeu o desconhecido com um aceno de plena tranquilidade. Um chefe?!... E que prova me apresentas tu para provar que o és? Posso mostrar-te a imagem d’Aquele que foi, circunda pelas imagens dos homens. A grande medalha! exclamou a voz, em que se reconhecia um misto de espanto e respeito. A grande medalha, a dos sete luminares da ordem! replicou severamente o peregrino. Vamos, irmão, este caminhar nas trevas deve durar ainda muito tempo? Isso acabou, mestre, respondeu a voz do desconhecido Estes mistérios não se fizeram para quem conhece os outros: Brilhou então uma luz viva na extremidade do corredor, o peregrino caminhou com passo firme adiante do seu novo companheiro, que era uma espécie de monge, de cabeça coberta por um capuz, que apenas lhe deixava ver os olhos.
Seguindo aquele corredor, os dois homens chegaram, por uma rampa quase insensível, ao centro de um subterrâneo, que correspondia ao altar-mor da igreja de Mont-Serrat. As numerosas grutas que havia na montanha, tinham facilitado aos frades o meio de tornarem impenetráveis os seus esconderijos. Em toda a volta da ampla sala, e ao longo das paredes, estavam sentados uns cinquenta frades. Na frente daquele semicírculo elevava-se um estrado, onde estavam marcados os lugares correspondentes a sete cadeiras. Seis delas estavam ocupadas, a sétima estava devoluta. Ao entrarem na sala o peregrino e o seu guia, todos se voltaram para a porta. Grande foi o espanto de todos ao verem que o desconhecido em vez de esperar humildemente à porta que lhe fosse concedido o ingresso, se dirigia directamente, e sem a mínima hesitação, para a bancada dos senhores, evidentemente destinada para os chefes da reunião. Fora!... Fora!... gritavam de muitos lados. Alguns daqueles mascarados levantaram-se e chegaram a levar a mão ao copo das espadas, que se desenhavam rigidamente sob as túnicas negras; mas o peregrino, impávido como se todos aqueles protestos não fossem com ele, prosseguia no seu caminho, chegou ao estrado onde estavam sentados os chefes. Estes ergueram-se, movidos por um impulso unânime, como para embargarem o passo ao recém-vindo. O peregrino parou; tirou do peito uma medalha e mostrou-a os seis. Um grito de espanto e alegria saiu daqueles seis peitos; depois com demonstrações inequívocas de respeito e afeição, conduziram o peregrino ao sétimo lugar, que estava vago. O personagem ocupou modestamente aquele lugar preeminente, como pessoa costumada às honras, e não pareceu comovido pelo triunfo, como não se mostrara impressionado pelas ameaças com que o tinham recebido. Pela multidão corriam vozes de surpresa e espanto. O sétimo chefe! Aquele que nós julgávamos morto! O mais audaz, o mais forte de todos! Agora os Templários caminharão avante! O núcleo das nossas forças revigorou-se!
Entretanto, um dos sete, o que estava no meio e que parecia por essa razão ter a presidência, levantou-se. Viu-se então um homem de nobre e majestosa estatura: uma comprida barba branca escapava-se-lhe por baixo do capuz, que o presidente levantara um pouco para falar. Irmãos, disse ele, as portas estão bem guardadas? Um anjo do extermínio vela a cada uma delas?...» In Ernesto Mezzabota, O Papa Negro, História da Europa Medieval e seus costumes, tempo da narrativa; entre 1500 -70 d. C, 1848, Rio de Janeiro, 1947, corrigido por Milton Barros Carvalho, Brasil, 2009.

Cortesia de wikipedia/JDACT