quarta-feira, 19 de março de 2014

A Revelação dos Templários. Lynn Picknet e Clive Prince. «Como esta é a Última Ceia em que, segundo nos ensina o Novo Testamento, Jesus instituiu o sacramento do pão e vinho, no qual convida os seus seguidores que comam e bebam dizendo que são a sua carne e o seu sangue, seria razoável algum cálice ou taça de vinho…»

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«(…) Algumas imagens são tão familiares que nunca são bem olhadas, ainda que se ofereçam ao olhar do espectador abertas a um exame mais detido, mas num plano mais profundo e cheio de sentido, seguindo como livros fechados. Assim ocorre com a Última Ceia de Leonardo… ainda que pareça mentira, como quase todas as outras obras dele que tem chegado até nós. Foi a obra de Leonardo (1452-1519), esse génio atormentado do Renascimento italiano, a que nos colocou na trilha que acabou por levar-nos a uns descobrimentos tão estarrecedores quanto a suas consequências, que a princípio nos parecia impossível que eles tivessem passado desapercebidos por gerações inteiras de estudiosos, o que finalmente ressaltou diante de nosso olhar surpreendido, e incrível que uma informação tão explosiva tivesse permanecido por tanto tempo esperando pacientemente ser descoberta por uns autores como nós, alheios às escolas oficiais da investigação histórica ou religiosa. É assim que vamos seguir a história refazendo seus passos contados e voltarmos a Última Ceia para a olhamos com outros olhos. Não é o momento agora para nos situarmos no contexto conhecido dos postulados da História da arte. Queríamos vê-la como a veria um recém chegado completamente ignorante dessa imagem tão arqui-conhecida. Que as escamas dos conceitos prévios caiam de nossos olhos e que olhemos a verdade, como se fosse a primeira vez em nossa vida. O personagem central, pelo suposto, é Jesus, a quem Leonardo menciona sob o nome de Redentor nas suas notas de trabalho [mas que o leitor seja advertido que não deve ter nada por sabido, por mais óbvio que pareça]. Está em atitude contemplativa e olha para baixo e um pouco para sua esquerda, as mãos estendidas na frente sobre a mesa, como se oferecesse algo ao espectador. Como esta é a Última Ceia em que, segundo nos ensina o Novo Testamento, Jesus instituiu o sacramento do pão e vinho, no qual convida os seus seguidores que comam e bebam dizendo que são a sua carne e o seu sangue, seria razoável buscar algum cálice ou taça de vinho diante dele, concluindo o oferecimento.
Afinal, para os cristãos, esta cena antecede imediatamente a paixão de Jesus no horto de Getsemani, onde ele reza com fervor pedindo que afaste de mim este cálice [outra alusão ao paralelismo vinho-sangue] e também à sua crucificação, na qual morreu derramando seu sangue pela redenção da humanidade. Porque não há vinho diante de Jesus, e apenas quantidades simbólicas em toda a mesa. Acaso têm razão os artistas que dizem ser um gesto vazio este das mãos abertas? Visto que apenas há vinho, talvez não seja casualidade que tampouco se tenham partido muito poucos dos pães que vemos sobre a mesa. E já que o próprio Jesus identificou o pão com seu próprio corpo que seria partido no supremo sacrifício. Está se comunicando alguma mensagem subtil quanto a verdadeira natureza dos padecimentos de Jesus? Ele olha contemplativamente para baixo e ligeiramente à sua esquerda, as mãos abertas na mesa diante dele como se apresentando alguma dádiva ao espectador. Como nesta Última Ceia na qual assim nos diz o Novo Testamento, Jesus iniciou o sacramento do pão e do vinho urgindo que seus seguidores partilhassem deles como sua carne e sangue; pode-se razoavelmente esperar algum cálice ou taça colocado diante dele, a ser abarcado pelo seu gesto. Afinal, para os cristãos esta refeição imediatamente antes da paixão de Jesus no Jardim de Getsemani quando ele ferventemente orou que afaste de mim este cálice, uma outra alusão a imagem do sangue-vinho e também antes de sua morte pela crucificação quando seu sangue sagrado foi derramado em benefício de toda humanidade. Ainda que não haja vinho em frente de Jesus [e uma mera quantidade simbólica na mesa inteira]. Pode estarem estas mãos estendidas fazendo, segundo artistas, um gesto essencialmente vazio? À luz da falta do vinho talvez não seja acidente que de todo pão na mesa muito pouco esteja partido. Como o próprio Jesus identificou o pão como seu próprio corpo que era para ser quebrado no supremo sacrifício, está alguma mensagem subtil sendo transmitida sobre a verdadeira natureza do sofrimento de Jesus?
Isto todavia é a mera ponta do iceberg da não ortodoxia apresentada nesta pintura. Na narrativa bíblica é o jovem São João, conhecido como Amado do Senhor que estava fisicamente tão perto de Jesus que nesta ocasião inclinou-se em seu peito. Ainda que a representação de Leonardo desta jovem pessoa, não seja, como requerido nas direcções bíblicas, tão reclinadas, mas invés se incline exageradamente para longe do Redentor, a cabeça quase que coquetemente inclinada para a direita. Até mesmo quando diga respeito a este carácter, para os recém chegados a pintura pode ser perdoada por conter curiosas incertezas sobre o chamado São João. Enquanto seja verdadeiro que as próprias predilecções do artista tendessem a representar o epitomo da beleza masculina como algo de certa forma afeminado, certamente esta é uma figura feminina que vemos. Tudo sobre ele é surpreendentemente feminino. Tão velho e deteriorado quanto possa ser o fresco, pode-se ainda ver as pequeninas e graciosas mãos, as caraterísticas belas e delicadas do semblante, o peito distintamente feminino e o colar de ouro. Esta mulher, porque certamente é uma mulher, também está usando uma indumentária que a marca como sendo especial. Ela é a imagem em espelho da indumentária do Redentor. Onde um veste um robe azul e um manto vermelho, o outro veste um robe vermelho com um manto azul, em estilo idêntico. Ninguém mais na mesa veste roupas que espelhem aquelas de Jesus deste modo. Central em toda composição está a forma que Jesus e esta mulher fazem juntos; um M gigantesco quase como se eles estivessem literalmente unidos pela cadeira mas tivessem sofrido uma separação ou até mesmo se separado. A nosso conhecimento nenhum académico tem se referido a este carácter feminino como algo mais que São João e a forma do M também tem passado desapercebida por eles.
Leonardo foi, como descobrimos nas nossas pesquisas, um excelente psicólogo que se divertia em apresentar aos patronos que tinham dado a ele comissões religiosas o padrão com imagens altamente não ortodoxas, sabendo que as pessoas veriam a mais perplexante heresia com equanimidade porque elas geralmente apenas veriam o que esperavam ver». In Lynn Picknet e Clive Prince, A Revelação dos Templários, Narrativa, Editora Planeta, 2006, ISBN 857-6651-75-0.

Cortesia de Planeta/JDACT