sábado, 15 de fevereiro de 2014

O Futuro e os seus Inimigos. Uma Defesa da Esperança Política. Daniel Innerarity. «A utopia do progresso transformou-se numa utopia técnico-informática, em movimento desordenado, ‘neofilia’ frenética, agitação sem regras e dissipação de energia. Ficou apenas uma aceleração vazia, aquela mobilização total…»

Cortesia de wikipedia 

A Cultura da Urgência
«(…) onde tudo é urgente, quando se generaliza o recurso a procedimentos de urgência, desaparece a normalidade temporal em relação à qual tinha sentido, como excepção, a possibilidade de uma via de urgência. O estado de urgência permanente contribui para fragilizar as organizações e é terreno fértil para o desencadeamento de crises graves, como mostra o exemplo dos hospitais, das catástrofes das bolsas ou do debilitamento da política perante as pressões imediatas. É preciso compensar a necessária velocidade do mundo com espaços de deliberação, reflexão e normalidade temporal. A configuração do futuro depende da estabilidade e previsibilidade do ambiente social. A instabilidade do contexto e das condições e das condições da decisão que decorre da aceleração social obriga o indivíduo, as organizações e as instituições a uma permanente revisão de expectativas, a reinterpretar as experiências e a voltar a determinar as operações de sincronização e coordenação. As sociedades modernas necessitam de equilibrar a estabilidade e a dinamização: a aceleração, para ser benéfica, exige condições gerais estáveis que proporcionem a segurança e a previsibilidade sem as quais seriam impossíveis determinadas dinâmicas. Uma certa lentidão das regras do jogo facilita a evolução de outras dinâmicas; não há inovação social sem estabilidade institucional. 

Contra a falsa mobilidade
Se é certo, como vimos, que a suposta aceleração geral da nossa época tem o seu contraponto ambivalente em fenómenos correlativos de desaceleração, e se a generalização da urgência arruína o próprio conceito de urgência e tem, não raras vezes, efeitos paralisantes, teremos de concluir que a análise da nossa temporalidade deve ser completada com a ideia de que existe também uma falsa mobilidade. Poderíamos concluir que do progresso morreu o finalismo e ficou viva a dinâmica. Em última instância, as sociedades combinam a sua resistência à mudança com uma agitação superficial. A utopia do progresso transformou-se numa utopia técnico-informática, em movimento desordenado, neofilia frenética, agitação sem regras e dissipação de energia. Ficou apenas uma aceleração vazia, aquela mobilização total de que falava Sloterdijk (1987), seguindo a ideia de Ernst Jünger, e a que Taguieff chama bougisms (2002), um cego cada vez mais de novidades técnicas ou de globalização económico-financeira, um espaço social instável e um campo psicológico neurótico. Esta rotinização do movimento decreta o imperativo da aceleração em todos os âmbitos, aquilo a que Paul Valéry chamava regime de substituições rápidas. É um activismo que se traduz em exasperação inquieta, fuga para diante, para o sempre mais da técnica ou da economia num presente global histórico. Este tipo de temporalidade quadra muito bem com o nosso sistema económico, baseado nas ideias de crescimento e desenvolvimento, aumento de produção, expansão dos mercados e inovação técnica». In Daniel Innerarity, O Futuro e os seus Inimigos, (uma defesa da esperança política), Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1. 

Cortesia de Teorema/JDACT