quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Guerra. Diplomacia e mapas. A guerra da Sucessão Espanhola. Júnia F. Furtado. «Foi assim que Serrão Pimentel, dividiu entre seus dois filhos: Manoel e Francisco. O ‘primeiro’ ficou como cosmógrafo e lente da aula de Navegação, o ‘segundo’ como engenheiro e lente da aula de Matemática»

Carte des opérations militaires dans la région située entre Alcantara et Almeida, autour de Ciudad Rodrigo
Cortesia de wikipedia

Guerra e cartografia
«(…) Luís Serrão Pimentel (1613-1679) foi o grande representante de uma linhagem de grandes cosmógrafos portugueses a serviço do Estado, tendo reunido os empregos de cosmógrafo-mor do reino, engenheiro-mor do reino e tenente general da artilharia. Observa-se nas suas qualificações como engenheiro e tenente de artilharia que, inicialmente, a actividade de cosmógrafo abarcava também produzir conhecimentos úteis às actividades militares, tais como planejar fortificações, armamentos e produzir mapas para auxiliar o deslocamento de tropas pelo território. Luís Serrão Pimentel ocupava o cargo quando se deu a Restauração portuguesa, em 1640. A necessidade de organizar a defesa do reino para resistir às tentativas de recolonização espanhola se tornou premente. Para melhor preparar um corpo de técnicos especializados, logo nas cortes reunidas em 1641, [Pimentel] propõe a criação de uma aula de fortificação e arquitectura militar na Ribeira das Naus em Lisboa. Como no restante da Europa, a progressiva especialização do conhecimento cosmográfico, separado do geográfico, também levou em Portugal à divisão do cargo. Foi assim que Serrão Pimentel, proprietário em carácter hereditário, no terceiro quartel do século XVII, o dividiu entre seus dois filhos: Manoel e Francisco. O primeiro ficou como cosmógrafo e lente da aula de Navegação, o segundo como engenheiro e lente da aula de Matemática. A partir deste momento cosmografia e engenharia tornaram-se actividades relativamente distintas em Portugal, mas fortemente conectadas (inclusive pelos laços familiares dos detentores dos cargos de cosmógrafo-mor e engenheiro-mor). Ao primeiro coube principalmente os conhecimentos relativos à navegação marítima e ao segundo, os da arte militar e do território, ambos cada vez mais sob o primado da matemática e da geometria.
Monarca ilustrado, João V (1706-1750) promoveu uma série de reformas em seu reinado. Uma delas abrangeu a reorientação na formação de engenheiros militares, com a criação da Aula Régia de Fortificação Militar em Lisboa. Os engenheiros militares eram os principais encarregados de produzir uma cartografia de Estado e a Aula Régia formava os engenheiros segundo os mais novos métodos nas áreas de construção de fortificações, de artilharia militar e da cartografia, constituindo um conhecimento cada vez mais dominado pela geometrização e a matematização do mundo. Consoante com as novas observações e medidas tomadas directamente no território, utilizava instrumentos cada vez mais modernos e aperfeiçoados. Acompanhando essa mesma tendência de especialização do conhecimento e universalização de seus métodos, aulas régias de geografia, voltadas principalmente para as actividades militares, foram criadas em várias cortes europeias nessa mesma época. O engenheiro Manoel Azevedo Fortes foi escolhido o primeiro regente da Aula Régia de Fortificação Militar em Lisboa e, sob protecção régia, publicou manuais técnicos que pretendiam orientar a formação dos engenheiros na maneira adequada de produção das cartas, com vistas à uniformização das técnicas e uma linguagem mais universal. Seus dois livros intitulam-se Tratado do modo o mais fácil de fazer as cartas geográficas assim de terra como de mar, e tirar as plantas das praças (1722) e O Engenheiro português (1729). Estes manuais pretendiam normalizar as formas de representação do espaço, sugerindo, entre outros tantos temas, a adopção de símbolos geográficos mais esquemáticos, as maneiras apropriadas e os instrumentos adequados para a tomada das medidas dos terrenos, as formas como deveriam ser coloridos os mapas e a maneira ideal de representar os acidentes geográficos. No contexto da criação da Academia Real da História Portuguesa, Azevedo Fortes foi nomeado pelo rei para se ocupar das questões de Geografia, reflexo da importância desse conhecimento para a escritura da História. Afinal, esta se desenrolava no interior de um espaço imperial que precisava ser mais bem conhecido, tanto o reino, quanto as conquistas ultramarinas, sendo a confecção dos mapas um importante instrumento para sua realização.
Apontando para essa associação entre guerra e mapas, tendo como palco a Guerra da Sucessão Espanhola, D’Anville desenhou um mapa das operações militares portuguesas que ocorreram entre Almeida, em Portugal, e Ciudad Rodrigo, na Espanha. A carta, intitulada Carte des opérations militaires dans la région située entre Alcantara et Almeida, autour de Ciudad Rodrigo, ilustra o recuo progressivo do acampamento espanhol, o avanço das tropas portuguesas comandada pelo 4º marquês das Minas, António Luís Sousa, em direcção ao território de Espanha, e o sítio montado ao redor de Ciudad Rodrigo, a partir de 2 de Maio de 1706. Este foi um episódio marcante na Guerra, pois nos dois anos anteriores, desde a entrada de Portugal no conflito, as operações militares haviam sido caracterizadas pelo avanço dos espanhóis sobre seu território, o que devastou as províncias das Beiras e do Alentejo». In Júnia Ferreira Furtado, Guerra, Diplomacia e mapas, A guerra da Sucessão Espanhola, O Tratado de Utrecht e a América Portuguesa na cartografia de D’Anville, revista Topoi, v,. 12, nº 23, 2011.

Cortesia de Topoi/JDACT