terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Goa. A Chave de Toda a Índia. Perfil Político de 1505-1570. Catarina M. Santos. «… o facto de disporem de terras produtoras de bens alimentares resolvia o problema do abastecimento às armadas e aos próprios portugueses, fixados no Oriente. No decorrer do ano de 1510, a cidade caiu duas vezes nas mãos dos portugueses…»

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A situação de Goa
«(…) Quanto às qualidades intrínsecas à própria cidade, independentemente de qualquer enquadramento, é necessário frisar que era reconhecida a Goa uma certa importância político-estratégica por parte dos reinos da Índia, que não escapou aos portugueses. Eles procuraram rendibilizar esta mesma função e perceberam que Goa seria a capital potencial de um império marítimo, porque estava isolada do interior da planície indo-gangética, através da cordilheira dos Gates. A cidade vivia de costas para a Índia continental e virada para o oceano Índico. De facto, e numa perspectiva estritamente geográfica, a cidade beneficiava de um isolamento natural, em dois planos. A ilha de Tissuari, onde se encontrava a cidade de Goa e as terras a ela adjacentes, estava situada entre dois braços dos rios Mandovi e Zuari, o que permitia um certo isolamento, e por isso mesmo, maiores possibilidades de defesa a eventuais ataques vindos, respectivamente, do norte e do sul. A leste, face à Índia continental, e em concreto ao planalto do Decão, beneficiava de igual isolamento, graças à cordilheira dos Gates ocidentais que constituíam uma verdadeira barreira natural. João de Barros descrevia a estreita orla marítima que medeia entre o mar e o vigoroso relevo, como térras maritimas lançadas ao longo de hua corda de serrania a que elles chamam gate [...].Tratava-se portanto de uma posição facilmente defensável, por razões de ordem geográfica.
A existência em Goa de uma população camponesa maioritariamente hindu veio também reforçar a possibilidade de os Portugueses aí se estabelecerem. À passividade de grande parte da população juntou-se o facto de a entrada portuguesa nesse território significar a emancipação hindu perante o poderio muçulmano. A postura de tolerância, que Albuquerque preconizou relativamente àquele povo, levava a que os portugueses conseguissem, à partida, uma margem de vantagem. Além disso, os hindus, por razões ligadas à própria doutrina da sua religião, não se envolviam nas actividades comerciais no mar. As grandes viagens marítimas estavam vedadas aos membros das castas mais altas em quase toda a Índia. Esta condição, de raiz confessional, tornava os interesses hindus e portugueses perfeitamente compatíveis. Esta cidade de mercadores, onde se praticava o grande comércio internacional, estava dotada de um hinterland, povoado de lavradores, que a provia de bons recursos agrícolas. Damião de Góis descrevia a ilha de Tissuari como sendo mui fertil de sementeiras, fructas, aruoredos de palmares, arequaes, e outras aruores, e mui viçosa dortaliças, fontes, e poços dagoa muito boa, cõ muitas quintãs, pumares, hortas [...] As terras eram grandes produtoras de arroz. O Canará fornecia outras zonas da costa ocidental da Índia. Do ponto de vista dos portugueses, o facto de disporem de terras produtoras de bens alimentares resolvia o problema do abastecimento às armadas e aos próprios portugueses, fixados no Oriente. No decorrer do ano de 1510, a cidade caiu duas vezes nas mãos dos portugueses: primeiro, em 13 de Fevereiro, ainda durante o governo de Yüsuf Ãdil Khân (Shâh, ou seja, o Sabaio), houve uma rendição da cidade; depois, a 25 de Novembro do mesmo ano, deu-se a conquista ao seu filho Ismail Ãdil Shâh (é o nome da dinastia muçulmana que reinou em Bijapur, um dos reinos que sucedeu ao reino Bahamanida do Decão. O fundador da dinastia foi Yüsuf Ãdil Khân (1489-1510), primeiro sultão de Bijapur. O seu filho e sucessor foi Ismail).

A rendição de Goa
Quando Albuquerque, em Fevereiro de 1510, tomou a decisão de avançar para Goa, o que veio a acontecer em 1 de Março de 1510, e conquistar a cidade, desviou-se da sua missão inicial: dominar o mar Vermelho. Como havia notícia, através de mercadores chegados a Cochim, a partir de Calecut, de que os rumes preparavam cerca de 20 naus novas, as forças portuguesas programaram tomar Adém e depois avançar até ao Suez, onde se faziam as ditas naus. A finalidade era destruí-las. Este plano inseria-se numa perspectiva antiga, já traçada no tempo do vice-rei Francisco Almeida, que visava conseguir o monopólio global da rota das especiarias. A conquista de Adém traria aos portugueses o controlo do mar Vermelho e, com ele, a neutralização do acesso veneziano e egípcio, assim como a ruína da força naval do sultão do Egipto. Anulados os competidores da rota terrestre, os portugueses teriam boas condições para se lhes substituir e, eventualmente, abandonar a rota marítima, comprovadamente mais morosa e também mais dispendiosa». In Catarina Madeira Santos, Goa é a Chave de toda a Índia. Perfil Político de 1505-1570, colecção Outras Margens, 1999, ISBN 972-8325-96-7.

Para a Ofélia e Álvaro José. Que estejam em Paz.

Cortesia de Outras Margens/JDACT