quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A Primeira Rainha de Portugal. Dona Teresa. Marsilio Cassotti. « Talvez D. Teresa nunca tivesse lido o relato da Crónica de Pelayo de Oviedo que narrava esse episódio, uma vez que esse bispo a tinha escrito quando ela vivia em Portugal»

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Neta de uma ‘Rainha Proprietária’ (1014-1072)
«(…) A tomada de Montemor por parte dos sarracenos tinha significado um duro golpe para o orgulho leonês. Com ela os muçulmanos tinham completado a conquista dos baluartes do Mondego e feito retroceder os cristãos até ao Douro. Não só aquelas férteis terras tinham caído em mãos do infiel, como os seus chefes tinham ordenado o seu repovoamento com muçulmanos andaluzes. Afonso V começaria a guerrear nesses territórios. Há muito tempo que nas reuniões da cúria régia não se respirava tanto optimismo. O palatium deliberou sobre os pormenores da empresa. A primeira expedição teria como objectivo reconquistar terras até às faldas da Serra da Estrela, com Viseu como ponto principal. Fora também planeado apoderarem-se de Coimbra. Antes de as tropas partirem, na catedral de Leão ressoaram os cânticos que saudavam os exércitos, estabelecidos pelo Liber Ordinum para estas ocasiões, segundo o rito moçárabe ainda vigente em todo o reino. Estava previsto que nessa mesma igreja, uma vez conseguida a reconquista de Viseu, se celebrasse o matrimónio de D. Sancha com o filho do conde de Castela. Um plano que Afonso V tinha subscrito, não obstante a oposição dos seus nobres. Não antevia a hora de poder reconquistar Viseu para o realizar.
Mas nenhum destes projectos seria levado a cabo. Segundo narra o bispo Pelayo de Oviedo, contemporâneo de D. Teresa de Portugal, Afonso V foi morto por uma seta na fortaleza de Viseu, em Portugal. Aconteceu depois de as suas tropas terem sitiado a cidade do seu bisavô, Ramiro II, o rei cujas proezas militares tentava emular. Numa tarde de muito calor, Afonso, com uma certa imprudência, saiu para inspeccionar pessoalmente o terreno. Ao analisar a parte inferior da muralha, foi atingido por um arqueiro que o observava, protegido atrás de uma ameia. Corria o mês de Julho de 1028. D. Sancha jamais esqueceria essa desgraça, que acabou com a vida do pai, por quem sentia devoção, uma morte que a deixava a um passo do altar, exposta às intrigas cortesãs. Quando chegou a Leão o cadáver do rei, ela dispôs, como o monarca tinha ordenado, que fosse enterrado ao lado da sua primeira mulher, a portucalense D. Elvira Mendes, na igreja de São João Baptista, de que D. Sancha era abadessa. Talvez D. Teresa nunca tivesse lido o relato da Crónica de Pelayo de Oviedo que narrava esse episódio, uma vez que esse bispo a tinha escrito quando ela vivia em Portugal, mas é quase certo que conheceria os pormenores do sucedido através das palavras da tia, a infanta D. Urraca, filha mais velha de D. Sancha.
Passado o luto, o novo rei, Bermudo III (1023-1037), dispôs que a sua irmã D. Sancha casasse com o conde Garcia de Castela, como já tinha decidido o pai. Mas o castelhano foi apunhalado na altura em que entrava na igreja. A infanta pensava que isso não teria acontecido se aquele estivesse vivo. A partir de então, demonstrou uma grande rejeição por tudo o que fosse aparentemente tíbio e pouco contundente, uma atitude que também herdaria a sua neta D. Teresa. D. Sancha também sabia ser muito pragmática, e pouco tempo depois do assassínio do seu prometido, casou com o infante Fernando, segundo filho do rei de Navarra e um dos maiores beneficiados com aquele luto, dado que, devido a ele, tinha herdado da mãe o condado de Castela. Com o acordo tácito da sua mulher, o infante Fernando acabaria por enfrentar o cunhado, o rei Bermudo III, que morreria na batalha de Tamarón, no dia 3 de Setembro de 1037. Assim acabava, por linha de varão, a linhagem dos reis asturianos nascida com Pelayo, no ano de 718, após a lendária batalha de Covadonga.
D. Sancha tornou-se rainha proprietária de Leão. Nos primórdios da dinastia, duas mulheres tinham transmitido os seus direitos reais aos seus respectivos maridos. Mas ali acabara todo o seu protagonismo, porque seriam estes os verdadeiros governantes. Não foi esse o caso de D. Sancha. Evidentemente, ela não negaria a Fernando um direito reconhecido tanto pelo Foro Jurisdicional, a lei visigoda vigente em Leão, como pelo direito navarro, que a sua família por afinidade respeitava, que contemplavam a legitimidade das mulheres à herança da coroa mas como transmissoras do poder. Fernando seria o contrário de um rei consorte, daí que seja conhecido como o Magno. Mas os acontecimentos do reinado do marido mostram claramente que não se limitou a dar-lhe filhos ou a servi-lo como discreta conselheira na intimidade dos aposentos reais, como tinha feito a maioria das suas antepassadas até então, pois parece que grande parte das medidas tomadas por ele foram prosseguidas por ela, embora os historiadores se limite m a dizer que Fernando I de Leão e Castela a tinha em grande estima e costumava chamar-lhe spiraculum prudentiae, ou manancial de prudência. Ao fim e ao cabo, era a ela que devia o trono, de forma semelhante à que sucederia com Henrique de Borgonha relativamente à sua mulher quanto ao seu domínio sobre as terras portuguesas». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT