quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Os Segredos do Código. Dan Burstein. «Poderia ver-se envolvida numa ciumenta rivalidade com os outros apóstolos, alguns dos quais, em particular Pedro, podem ter desdenhado seu papel no movimento devido ao seu sexo, e ter encontrado que a sua relação com Jesus era problemática»

Cortesia de wikipedia 

O drama da História feminina. A História masculina e a Heresia. Maria Madalena e o sagrado feminino. Como uma mulher foi convertida em prostituta pela história masculina
«Maria Madalena é, em muitos sentidos, a estrela do Código Da Vinci, e é apropriado que ela seja o ponto de partida da odisseia de exploração nas histórias e mistérios da novela de Dan Brown. Mas quem era esta mulher que desempenha um papel tão decisivo em momentos críticos dos Evangelhos tradicionais? Está claro que é um dos acompanhantes mais amealhados ao Jesus itinerante. No Novo Testamento, a menciona por nome doze vezes. Está entre os poucos seguidores de Jesus presentes no momento de sua crucificação e se ocupa dele depois de morto. É a pessoa que, três dias depois, retorna à sua tumba e a pessoa a quem o Jesus ressuscitado aparece pela primeira vez. Quando aparece, instrui-a, de facto, outorga-lhe poderes, para que difunda as notícias da sua ressurreição e se converta, com efeito, no mais importante dos apóstolos, a portadora da mensagem cristã aos outros apóstolos e ao mundo. Este relato é o que fazem as narrações autorizadas do Novo Testamento. Se se estudarem as narrações alternativas, várias escrituras perdidas e os Evangelhos gnósticos, se verá em seguida que há sugestões de que Maria Madalena e Jesus poderiam ter uma relação extremamente estreita, uma relação íntima de marido e mulher. Ver-se-á que ela seria uma dirigente e pensadora por direito próprio a quem Jesus confiou segredos que não compartilhou sequer com os apóstolos varões. Poderia ver-se envolvida numa ciumenta rivalidade com os outros apóstolos, alguns dos quais, em particular Pedro, podem ter desdenhado seu papel no movimento devido ao seu sexo, e ter encontrado que a sua relação com Jesus era problemática. Pode ter representado uma filosofia mais humanista e individualizada, talvez mais próxima a que realmente pregou Jesus que a que chegou a ser aceita pelo Império Romano em tempos de Constantino como o pensamento cristão oficial, padronizado e convencional.
Talvez a forma em que melhor a conhece na história é como prostituta. Jesus simplesmente a perdoou, e ela simplesmente se arrependeu e mudou de conduta, para ilustrar os tradicionais princípios cristãos sobre o pecado, o perdão, a penitência e a redenção? Ou não foi absolutamente uma prostituta, mas uma rica patrocinadora financeira e partidária do movimento de Jesus, de quem, no século VI, o papa Gregório declarou que era quão mesma outra Maria Madalena dos Evangelhos, que era, esta sim, uma prostituta? E quando o papa Gregório refundiu deliberadamente às três Marias dos Evangelhos em uma o fez para marcar deliberadamente a Maria com o estigma da prostituição? Tratou-se de um inocente engano de interpretação em uma idade obscura em que se contava com poucos documentos originais e a linguagem bíblica era uma mixórdia de hebreu, aramaico, grego e latim? A Igreja necessitava simplificar e codificar os evangelhos e destacar os temas do pecado, a penitência e a redenção? Ou foi uma estratégia muito mais maquiavélica (um milênio antes de Maquiavel) para arruinar a reputação de Maria Madalena ante a história e, ao fazê-lo, destruir os últimos vestígios da influência dos cultos pagãos da deusa e do sagrado feminino sobre o cristianismo primitivo, para escavar o papel das mulheres na Igreja e sepultar o flanco mais humanista da fé cristã? Chegou ainda mais longe? Quando o papa Gregório com a letra escarlate da prostituição marcou a Maria Madalena, que continuaria oficialmente uma prostituta reformada pelos seguintes catorze séculos, começou um grande ocultação para negar o casamento de Jesus e Maria Madalena e, em última instância, a linhagem real, sagrada, de sua descendência? Sua descendência? Bom, sim. Se Jesus e Maria Madalena se casaram ou ao menos tiveram uma relação íntima bem poderiam ter um ou vários filhos. E o que ocorreu com Maria Madalena depois da crucificação? A Bíblia cala, mas na área do Mediterrâneo, de Éfeso ao Egipto, há lendas e tradições que afirmam que Maria Madalena e seu filho (ou filhos) escaparam de Jerusalém e finalmente se assentaram para viver como evangelistas. Os relatos mais interessantes são os que fazem que termine sua vida na França... um tema que Dan Brown recolhe e integra à trama do Código Da Vinci.
Não é surpreendente que Maria Madalena, que representa a temática do pecado e a redenção, a Virgem e a puta, a penitência e a virtude, os fiéis e os cansados, fosse sempre uma figura destacada na arte e a literatura. Nos actos sacramentais, a primeira forma de teatro produzida na Europa, faz mais de mil anos, era representada por fiéis de sexo masculino. E após, foi uma figura constante na arte eclesiástica. Em tempos muito mais recentes, Dan Brown não foi o único autor em sentir-se fascinado pela Maria Madalena nem o primeiro em destacar a temática de seu possível romance com Jesus. Nikos Kazantzakis postulou uma relação romântica entre ambos em sua novela A última tentação de Cristo faz mais de cinquenta anos (muito antes de que Martin Scorsese o convertesse em filme na década de 1980 e fizera surgir o tema uma vez mais). William E. Pipps tratou boa parte destes temas no seu livro Jesus esteve casado? Faz mais de trinta anos. A ópera rock Jesus Cristo Superstar, outra obra que tem mais de trinta anos, também dá por aceito que existe uma relação romântica entre Jesus e Maria Madalena. Dado o interesse da nossa sociedade pelos papéis que se adjudicam aos sexos, as mulheres como dirigentes e todas as permutações do amor, o matrimónio e o sexo que alguém possa imaginar, a nova Maria Madalena encaixa justo e O Código Da Vinci chega bem a tempo». In Dan Burstein, Secrets of the Code The Unauthorized Guide to the Mysteries Behind The Da Vinci Code, Os Segredos do Código, Emecé Editores, Buenos Aires, 2004, ISBN 950-04-2585-8-1.
 
Cortesia de Sextante/JDACT