domingo, 26 de janeiro de 2014

O Mosteiro de Santo Tirso. De 978 a 1588. A silhueta de uma entidade projectada no chão de uma história milenária. «De qualquer forma, gotejam destas páginas suores de muitas canseiras, sonhos perdidos de noites brancas, sem luares, sem estrelas e sem idílios azuis de anjos. Apenas me aflora ao rosto o suor que do meu pai me coube de herdar…»

Cortesia de wikipedia

Prefácio
«(…) Sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança, assim escrevera António Gedeão, na Pedra Filosofal Antes, o reafirmara o autor da Mensagem: Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Quando o homem tem o sonho por realidade, o homem cria a realidade do sonho!… Se a obra não nasce, não é porque Deus o não queira, mas só porque o homem não sonha. O homem sem ideal já o definiu o autor da Mensagem: Besta sadia, cadáver adiado que procria. Devia haver pena de morte para os sonhos que deixamos morrer…Abortá-los ou deixá-los silenciosos no eterno vazio das coisas que não são será crime que não merece a condolência do perdão misericordioso. Na sociedade consumista de hoje, impõe-se a tarefa evangélica da saída do semeador a semear a sua semente. Tantos terrenos votados ao vil abandono do menosprezo… É certo, o sonho é rio com água que flui. Mas uma que outra vez, com cachoeiras de raiva que tanto espumam!… Bem! Desde o sonho à realidade, a distância vai longe. E cansado e débil e de forças quase exausto, como náufrago em luta temerosa contra a maré, chega tantas vezes o sonho ao seu destino: - Nai, onde van os soños que se soñan ? - Os soños non vam, fillo. Os soños veñen da neboa como naufragos buscando Terra (Eva Veiga).
Há muitas décadas que este sonho, a monografia do mosteiro de Santo Tirso, me seduziu. Aos começos, como feto, no ventre materno, ainda informe, que, porém, já algo vaticina, sem que, todavia, tudo nos desvende. Que bom seria que a história surgisse, logo aos começos, acabada e perfeita. Que caísse do céu azul cristalizada como o maná do Deserto! Mas a história não se faz. Vai-se fazendo!… Também, e por outro lado, não gostava que fosse o maná. Se caísse já feita, apenas se nos exigiria o esforço momentâneo de a apanhar. Mas retirar-se-nos-ia o prazer de assistirmos ao seu crescimento. E mais: o prazer de saborearmos, com deleito redobrado, aquilo que é como a Eva do Éden paradisíaco: osso dos meus ossos, carne da minha carne. Com que prazer e carinho não afaga e amacia sobre o seio o seu bebé, uma e muitas vezes, a mãe que o transporta no paraíso terreal do seu ventre! E, depois que nasce, como acresce de beijos e carícias, em transportes de ternura, o seu filhinho, assistindo mimada ao seu crescimento. De qualquer forma, incontornável o princípio das limitações congénitas do ser humano. Mas não posso replicar como o mau administrador da parábola: Senhor, sabia que eras exigente, que recolhias onde não semeavas
Com certeza que, neste dia de contas, posso confessar que todos semearam. Que a semente foi boa. E, se bom fruto não houve, é porque o terreno poderia ter sido melhor. Sei das dificuldades, sei dos limites. Até porque nunca existiu, em história, a última palavra… Poderia citar tantos exemplos de últimas palavras que, no mecanismo inexorável da evolução dialéctica, se fizeram palavras apenas balbuciadas de uma timidez quase infantil. A confusão evangélica dos últimos com os primeiros… O homem, e seu produto, nasce, cresce, envelhece e morre. Se nada se cria e nada se perde, pelo menos tudo se transforma. Só uma coisa me seduzirá: a de fazer o melhor que sei. Quanto ao resto, nada me ilude. Os elogios não me estimulam mais que a minha vontade de fazer; as críticas outra coisa não são que meras varas sem o aguilhão que fira. Não mordem, que deixo caminho aberto e escancarado a que os outros façam melhor.
De qualquer forma, gotejam destas páginas suores de muitas canseiras, sonhos perdidos de noites brancas, sem luares, sem estrelas e sem idílios azuis de anjos com Deus. Apenas me aflora ao rosto o suor que do meu pai me coube de herdar, ele que, nos braços esforçados de um Laocoonte, ao solo arrancava os trepos retorcidos, donde, porém, iria recolher o pão amassado no suor do rosto, com que, em forma de milagre permanente, saciava a fome de seus filhos. Das gralhas que, apesar do meu esforço duro, impugnei, derrota antecipada foi a minha luta. A este propósito, de nada valerá a prece litânica, por mais que repetida, do Libera nos, Domine!…Por isso, e no que toca às remanescências dos piolhos que catei, as confio agora ao leitor que pacientemente as haja de expurgar. Tomo das páginas do fidalgo Francisco Manuel de Melo a recomendação oportuna: da infelicidade da composição, erros da escritura, e outras imperfeições da estampa, não há que dizervos: vós os vedes, vós os castigai». In Francisco Carvalho Correia, O Mosteiro de Santo Tirso, de 978 a 1588, A silhueta de uma entidade projectada no chão de uma história milenária, Tese de doutoramento, Facultade de Xeografía e História, Universidade de Santiago de Compostela, Estudo, Santiago de Compostela, ISBN 978-849-887-038-1.

Cortesia da USdeCompostela/JDACT