terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Namorados. 1918. Virgínia Victorino. «Sei onde vou e a parte que me cabe! E há tanta, tanta gente que nem sabe o que lhe falta para ser feliz! O momento mais triste de uma vida é o momento fatal da despedida, vê como o medo cresce em mim, latente…»

Cortesia de wikipedia

«Virgínia Villa Nova de Sousa Victorino (1898-1967). Poetisa e dramaturga portuguesa do século XX. Esteve no Brasil em 1937. A sua obra mais famosa é Namorados (1918), que teve catorze edições. Outras obras: A Volta, peça teatral em três actos representada, pela primeira vez, no Teatro Nacional de Lisboa, a 13 de Maio de 1931.

Namorados
Despeito
Digo o que noutro tempo não diria:
foi tudo um grande sonho enganador...
Nego o passado, e juro que este amor
só existiu na tua fantasia...

Sinto a volúpia da mentira! A dor
não transparece. Nego... Que alegria!
Fiz crer ao mundo inteiro, por magia,
que és de todos os homens o pior...

Nunca me entonteceu esse sorriso...
E, vê lá tu, se tanto for preciso,
nego também as cartas que escrevi!

Quero humilhar-te, enfim... Mas não entendo
porque me exalto e choro e te defendo,
se alguém, a não ser eu, diz mal de ti...

Orgulho
És orgulhoso e altivo, também eu...
Nem sei bem qual de nós o será mais...
As nossas duas forças são rivais:
se é grande o teu poder, maior é o meu...

Tão alto anda esse orgulho!... Toca o céu.
Nem eu quebro, nem tu. Somos iguais.
Cremo-nos inimigos... Como tais,
nenhum de nós ainda se rendeu...

Ontem, quando nos vimos, frente a frente,
fingiste bem esse ar indiferente,
e eu, desdenhosa, ri sem descorar...

Mas, que lágrimas devo àquele riso,
e quanto, quanto esforço foi preciso,
para, na tua frente, não chorar...

Uma vez
Ama-se uma vez só. Mais de um amor
de nada serve e nada o justifica.
Um só amor absolve, santifica.
Quem ama uma só vez ama melhor.

Qualquer pessoa, seja lá quem for,
se a uma outra pessoa se dedica,
só com essa ternura será rica
e qualquer outra julgará pior...

Há dois amores? Qual é o verdadeiro?
Se há segundo, que é feito do primeiro?
Esta contradição quem foi que fez?

Quem ama assim julga que amou;
mas pode acreditar que se enganou
ou da primeira ou da segunda vez?

Sonetos de Virgínia Victorino, in ‘Namorados

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