quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Nadja e a Anima de André Breton. Surrealismo. Fabio Yabushita. «… o autor adverte-nos de que irá narrar episódios marcantes de sua vida, factos sobre os quais não teve controlo algum, sentindo-se diante dos mesmos como uma ‘testemunha assustada’…»

Cortesia de wikipedia

«Este artigo aborda o livro Nadja, de André Breton, um ícone do surrealismo, onde a personagem que lhe deu o título é interpretada como sendo a personificação da anima do seu autor. A anima, segundo a psicologia analítica, é o arquétipo do feminino no inconsciente do homem, e está relacionada aos aspectos irracionais e instintivos da psique, como a intuição e a emoção, sendo também a via de acesso para a sua interioridade. O encontro com ela permite o contacto com o inconsciente, algo de fundamental importância para o surrealismo, que o concebeu com um campo de inspiração a ser descoberto e explorado de forma profunda e irrestrita, como aconteceu em Nadja, personagem que encarnou não só o espírito do movimento surrealista, mas também a anima de André Breton. Nadja, livro de André Breton publicado em 1928, é considerado uma das principais obras do surrealismo, movimento de vanguarda que visava, através da exploração do inconsciente, dissolver as barreiras entre arte e vida, e assim promover a emancipação e liberdade do homem.
Considerado como um autêntico meio de conhecimento, o surrealismo foi um modo de pensar e viver voltado aos continentes até então inexplorados, como o sonho, a loucura, e tudo aquilo que fosse contrário ao cenário lógico. O livro, que atende às principais reivindicações do movimento, apresenta alguns recursos antiliterários inovadores, como o uso de ilustrações e fotografias, uma forma de privilegiar a subjectividade do olhar em detrimento da descrição meramente narrativa dos factos. As fotos, em sua maioria retratos de pessoas e lugares, conferem veracidade à história, conciliando assim fantasia e realidade, pois uma das propostas do surrealismo era justamente acabar com tais dicotomias, eliminando, por exemplo, as fronteiras entre realidade interior e exterior. Nesse sentido, Breton, em 2001, dizia acreditar na possibilidade de reunir estados aparentemente contraditórios, como sonho e realidade, em uma espécie de realidade absoluta, ou supra-realidade, que se manifestaria através do insólito e do maravilhoso.
Outra característica a ser destaca no livro foi a técnica chamada pelo autor de observação neuropsiquiátrica, onde tudo o que acontecia deveria ser detalhadamente relatado, sem preocupações com o estilo. Isso mostra que a sua escrita foi também uma experiência surrealista, ou seja, não se trata de um livro sobre o surrealismo, mas de um livro verdadeiramente surreal. Nele o autor relata seu breve romance com uma mulher misteriosa, chamada Nadja, que ele conheceu por acaso, caminhando pelas ruas de Paris. Esse ser errante e misterioso, dotado do mais elevado grau de liberdade, representa o espírito do surrealismo, cujo movimento ganhou forma nesta que é uma das mais inquietantes e enigmáticas personagens da literatura. Embora Nadja se apresente como a encarnação dos ideais surrealistas, principalmente em seus anseios de amor poesia e liberdade, ela também pode ser vista como a personificação da anima de André Breton.
A anima representa as tendências psicológicas femininas no homem. Está relacionada aos seus sentimentos e sensibilidade, conectando-o ao irracional, instintivo e intuitivo, tendo, portanto, a função de relação e conexão com o inconsciente. É através dela que o homem entra em contacto com sua interioridade, penetrando nos liames mais profundos da psique. O eros, considerado um princípio de ligação de natureza afectiva, é também um atributo da anima, que além de ligar o indivíduo ao mundo interior, tem a função de conectá-lo com as demais pessoas, formando laços afectivos de amor, amizade e fraternidade. Enquanto elemento feminino ela está relacionada à terra e à natureza, ao corpo e à matéria. Pode se manifestar de forma encantadora, como a deusa Afrodite, ou terrificante, como Lilith, a lua negra. Santa e meretriz, amável e perigosa, são termos comumente atribuídos à anima, que em suas mil faces é tanto a soror mystica dos alquimistas, quanto a bela dos contos de fadas. Incontáveis são os seus atributos, porém, assim como a alma, ela não pode ser definida, pois não se prende a nenhum conceito. O único meio de sabê-la, é vivê-la, estar em contacto e relacionar-se com ela, sentindo-a em todo seu encanto e fascinação.
Antes de descrever o seu encontro propriamente dito com Nadja, e os acontecimentos subsequentes, o autor adverte-nos de que irá narrar episódios marcantes de sua vida, factos sobre os quais não teve controlo algum, sentindo-se diante dos mesmos como uma testemunha assustada, à mercê daquilo que ele chamou de mundo proibido das aproximações repentinas e petrificantes coincidências». In Fabio Massao Yabushita, Brasil, Wikipédia, 2012.

Cortesia de Wikipédia/JDACT