quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Modos de ver e de dar a ver os Painéis de São Vicente. Paula André, Luís Louzã Henriques, Luísa Isabel Martinho, Sónia Apolinário e Rui Reis Costa. «… com a obra, dando-se a obra a ver claramente vista, para usar uma expressão camoniana e confirmando que ver é ter visto usando uma expressão pessoana»

Fotomontagem: Painéis de São Vicente, sobre Serra da Lousã, Talasnal, casa de xisto
Cortesia de midas

Modos de ver e de dar a ver os Painéis de São Vicente
Introdução
«Sempre fizemos com o olhar o que hoje nos é apresentado como virtual. A pintura dos Painéis de São Vivente atribuídos a Nuno Gonçalves, é um espaço de ilusão real que exibe o seu potencial multisignificante, resistindo irredutível a qualquer leitura. O convite ao olhar feito pelos Painéis de São Vicente é um convite à investigação e às estratégias visuais que desvendam modos de ver e de dar a ver. As (re)criações artísticas feitas a partir desta obra são viagens do olhar que demonstram os mecanismos de criação e revelam os meios usados, criando novas realidades e novas verdades. Ver implica ver como se vê. Analisar as obras-mestras do passado consiste essencialmente em demonstrar o mecanismo da criação e revelar os meios usados. A prática da variação artística advém do confronto real com os mestres do passado, mas acima de tudo do prazer e da liberdade da criação. À semelhança de Harold Bloom que na sua obra Angústia da Influência, traçou uma genealogia de poetas fortes, poderíamos através das variações artísticas traçar uma história dos pintores fortes, onde certamente encontraríamos Nuno Gonçalves. Os artistas que inovam estão profundamente ligados à tradição. João Vieira (1934-2009) realizou variações dos painéis atribuídos a Nuno Gonçalves. É o próprio pintor a dizer:
  • Como posso, simultaneamente, ser absolutamente moderno e admirar tanto pinturas antigas? Que quer isso dizer? Procurando respostas para estas perguntas, resolvi pintar à minha maneira pinturas antigas que me tocaram profundamente ao longo da minha vida. Para isso observei-as, tentando separar o essencial do acessório, procurando a verdade dessas pinturas, e ao mesmo tempo a verdade da minha própria pintura. Numa primeira tentativa, decidi-me pelos painéis de S. Vicente, de Nuno Gonçalves, conhecidos como o primeiro retrato colectivo do Renascimento Português; apaguei as caras dos retratos, para pôr de lado abstrusas especulações identificatórias das personagens retratadas, tentando assim estabelecer a identidade do artista e a sua identificação com o país retratado.
Segundo Charles Sterling é na própria pintura que permanece o segredo máximo dos Painéis e é no registo estético que o inquérito da História da Arte tem de o encontrar. Como refere José Luís Porfírio, a obra de João Vieira feita a partir dos Painéis de Nuno Gonçalves é:
  • uma pintura que escreve (pinta) sobre outra pintura, muito mais velha, com quinhentos anos de idade e quatrocentos de esquecimento. É como uma ponte ou um salto, diz-nos que o passado pode estar aqui confrontado connosco, diz-nos que a pintura portuguesa do século XV pode fundar hoje uma vontade de fazer, uma vontade de dar mais pintura a Portugal!
Interrogar através do acto de pintar, [é] interrogar a sua própria arte de pintor. Tal como sublinhou André Malraux na sua obra O Museu imaginário (1947) muitas vezes o artista aponta os seus olhos não para o mundo ou para a vida mas para as obras dos criadores que o precederam. A nossa imaginação é a grande construtora da realidade virtual. A aplicação de software de edição e de animação de imagem para a elaboração e construção de conteúdos virtuais possibilitam novas formas de ver e de dar a ver a pintura. A utilização de técnicas avançadas de análise pictoral e espacial como motor de interpretação, e reveladas publicamente no sítio do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), recorrendo às novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), devem potenciar o futuro contacto in situ com a obra, dando-se a obra a ver claramente vista, para usar uma expressão camoniana e confirmando que ver é ter visto usando uma expressão pessoana.

Os itinerários dos Painéis
O ano de 1910 é marcado pela publicação do livro de José Figueiredo O pintor Nuno Gonçalves. Arte Portuguesa Primitiva e pela primeira exposição dos Painéis de São Vicente na Academia Real das Belas-Artes, onde foram restaurados. De acordo com Sandra Leandro:
  • A descoberta científica dos painéis de S. Vicente deve-se a Joaquim Vasconcelos, que no dia 20 de Julho de 1895 visitou aquele mosteiro acompanhado por Ramalho Ortigão, José Queiroz e o arcebispo de Mytilene. Antes de Joaquim Vasconcelos, já monsenhor Alfredo Elviro Santos, Leandro Braga, Columbano, Maria Augusta Bordalo Pinheiro e Alberto Henriques Oliveira, entre outros, tinham notado a sua existência. A descoberta está envolvida também ela num mito, cujo lado trágico-picaresco recorda que, em 1882, os painéis foram salvos de servirem de tábuas de andaimes.
Sandra Leandro salienta ainda que Maria João Baptista Neto, num artigo intitulado A propósito da descoberta dos Painéis de São Vicente de Fora: contributo para o estudo e salvaguarda da pintura gothica em Portugal desmonta, esclarece e elucida toda esta questão dando a palma a mosenhor Alfredo Elviro Santos. O conjunto de pinturas é em 1912 exposto no Museu Nacional das Belas-Artes, hoje MNAA, onde passou a residir desde então, como obra de referência. Durante um século de exibição, foram vários os critérios museográficos e vários os espaços habitados por esta obra, instaurando o conceito definido em 1951 por Martin Heidegger como o sentido do ser, numa edificação que também se metamorfoseou a partir de uma estrutura palaciana inicial». In Paula André, Luís Louzã Henriques, Luísa Isabel Martinho, Sónia Apolinário e Rui Reis Costa, Modos de ver e de dar a ver os Painéis de São Vicente, Varia, Museus e Estudos Interdisciplinares, Revista MIDAS, 2, 2013.

Cortesia de Midas/JDACT