sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Ensaio no 31. Evocação de Maria Lúcia Lepecki. Beatriz Weigert. «… queixa-se de que “o raciocínio rangia fragorosamente nas dobradiças”, para sublinhar mais tarde haver larguíssimas, dezenas de páginas, a ranger novamente nas dobradiças. … desculpa-se: “assumi o risco de piorar, com a emenda, um soneto que já não seria grande coisa”»

Cortesia de wikipedia

Escritora, investigadora, ensaísta, crítica literária, professora
«(…) As escritas preambulares tanto quanto sublinham sua localização no espaço da obra, declaram cientificamente seu género: Introdução, Intróito, Prefácio. É referência discursiva, pode ser ritual-litúrgica. Componentes de carácter afectivo e científico formulam-se em estilo coloquial, dirigindo-se ao leitor. Assim, lê-se intenção e agradecimento, acrescentados de justificativas que vão da escolha do título do livro à fundamentação teórica. Na entrada dos Estudos de Literatura Portuguesa e Africana, a escritora confessa a procura de designação-síntese para o trabalho realizado. Sobreimpressões quer abranger o processo do discurso crítico, em que se sobreimprimem intertextualidades, agindo em polifonia máxima, movimentando-se em direcção a noções que se atraem até ao encaixe, aflorando o sentido. Para esse objectivo, transitam retórica e interpretação, em demanda que, sendo, sem dúvida, intelectual, é, sobretudo, uma extraordinária experiência espiritual, mesmo religiosa. Maria Lúcia completa asseverando: Nada tenho a opor: sempre achei ser Deus a metáfora do sentido. Justifica-se a relação anunciada, retórica, interpretação, espírito, ao nome de Deus. A escrita preambular, além de entregar a base da fundamentação teórica, considera o percurso de aquisição de conceitos, o trilho que a ensaísta perseguiu para encontrar aquele conhecimento. Nesse item, o traçado de uma biografia intelectual esboça-se. E Maria Lúcia tem historietas diferenciadas para ilustrar seu aprendizado e suas perquirições.
Em Autran Dourado, conta as investidas em busca da estrutura da análise, a escrita-desescrita-reescrita, em que parece difícil achar o início do fio desse bordado. Até que se revela o problema da cosmovisão mítica das vivências típicas do homo religiosus, servindo mito e rito para organização do desenvolvimento da análise com Intróito e Canon a constituírem partes do texto. No propósito da leitura mítica e análise sociológica, Maria Lúcia pretende atingir, através do texto ficcional, a vida latente no subtexto Histórico-cultural. Em Cardoso Pires, relata sua formação eclética, com trânsito da sintaxe e morfologia do Latim a teorias e teóricos da Literatura. Já docente da Universidade de Lisboa, Lepecki recebe da Faculdade de Letras a responsabilidade pela disciplina Literatura e Mito - Tematologia Literária, campo de preferência, sabe-se. No tocante ao livro, revela que, para chegar ao entendimento da obra do autor, emprega árduo esforço. Era preciso compreender o país, compreender melhor todas as escritas que na realidade profundamente se enraízam.
Em Ideologia e Imaginário, a ensaísta pretende uma perspectiva marxista para mostrar como uma opção ideológica trabalha os dados do imaginário. E, tendo a impressão de cinematografia em Cardoso Pires, Maria Lúcia investiga se o cinema teria produzido uma revolução do imaginário de tal ordem que qualquer forma do ficcional, pudesse contaminar-se do fingimento fílmico. E vai à teorização da conaturalidade entre o discurso do filme e a narrativa de Cardoso Pires. E, a confiar no julgamento do leitor, a investigadora reitera a pertinência da hipótese […] tão fascinante como lógica. Como se vê, sendo acto presente, a introdução relata o acto passado da pesquisa e da elaboração, enquanto é também acto judicativo, uma vez que avalia a matéria tratada, o leitor e mesmo a ensaísta. Maria Lúcia, referindo-se às suas tantas buscas e correcções, queixa-se de que o raciocínio rangia fragorosamente nas dobradiças, para sublinhar mais tarde haver larguíssimas, dezenas de páginas, a ranger novamente nas dobradiças. Forma de apresentação de trabalho, Maria Lúcia desculpa-se: assumi o risco de piorar, com a emenda, um soneto que já não seria grande coisa». In Beatriz Weigert, Evocação de Maria Lúcia Lepecki Revista Letras Com Vida, Literatura, Cultura e Arte,  nº 4, 2011, CLEPUL, Gradiva.

Cortesia de CLEPUL/JDACT