terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina. José Augusto França. «… só a Nova dos Ferros resistiu, ponto de referência tradicional cuja orientação se justificava pelo seu paralelismo à face norte do Terreiro do Paço, ela própria oblíqua. O Terreiro, tal como o Rossio, manteve a sua feição…»

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Os Programas de Manuel Maia
«(…) O exemplo de Londres, tal como Turim, nova capital do reino sardo, serviam-lhe de referência para o seu trabalho. A primeira cidade fora renovada depois do famoso incêndio de 1666, a segunda recebera recentemente obras importantes, dirigidas por Iuvara. Maia procurara informar-se e lamenta não ter podido fazê-lo, por falta de elementos existentes em Lisboa, mas tem por certo que os casos são bem diferentes porque nem numa nem noutra corte se achavam os povos flagelados como os de Portugal. Além disso, quanto a Turim, chegou à conclusão de que, ao contrário do que supusera, nada fora arrasado para dar lugar a novas construções, e os arquitectos mais não fizeram do que acrescentar Turim novo a Turim velho, e numa área de metade da parte de Lisboa destruída; em suma, mais divertimento que trabalho… Para assumir este trabalho havia que escolher com acerto os colaboradores. Maia mencionara já o capitão Eugénio Santos; agora acrescentava-lhe o tenente-coronel Carlos Mardel. Ambos estavam em primeiro lugar porque, além de serem engenheiros de profissão, eram também na arquitectura civil os primeiros arquitectos.
Assim se constituiu a equipa dos três obreiros da reconstrução da cidade que, no quadro das reformas de Pombal, se tornou, para a história, a Lisboa Pombalina. Ao lado deles, nesta fase preliminar dos trabalhos, encontramos mais cinco engenheiros militares, distribuindo-se a responsabilidade das seis plantas então apresentadas da seguinte maneira:
  • n.° 1 - ajudante (2.° tenente) Gualter da Fonseca com o praticante Francisco Pinheiro da Cunha;
  • n.° 2 - capitão Elias Sebastião Poppe com o ajudante José Domingos Poppe;
  • n.° 3 – capitão Eugénio dos Santos com o ajudante António Carlos Andreas e, de novo, os chefes de equipa, em obra individual, com as plantas;
  • n.° 4 - Gualter da Fonseca;
  • n.° 5 - Eugénio dos Santos;
  • n.° 6 - Elias S. Poppe.
Para além deste trabalho, os colegas de Eugénio Santos não tiveram papel de relevo nas obras da Reconstrução.

As Plantas da Baixa
As missões que Manuel Maia atribuiu a cada uma das equipas foram especificadas: a primeira planta deveria limitar-se a corrigir as ruas estreitas e a melhorar as largas, observando a estrutura antiga da cidade; a segunda já devia apresentar a traça dum novo plano; e a terceira gozaria ainda de maior liberdade, limitando-se, como as duas primeiras, a respeitar a localização anterior das igrejas paroquiais. Esta imposição foi levantada para os trabalhos individuais. A área a tratar correspondia à parte central da cidade, a sua parte baixa, entre o Terreiro do Paço e o Rossio, e ainda a uma zona urbana compreendida, a poente, pela colina de S. Francisco, até às portas de Sta. Catarina (Largo das Duas Igrejas actual), num total de cerca de 63 hectares.
A planta n.° 1, respeitando a estrutura tradicional, regularizou, a partir do grande L constituído pela enfiada das ruas do Ouro-Douradores-Escudeiros (que cortava diagonalmente a Baixa) e pela rua Nova dos Ferros, via principal da cidade anterior ao terramoto, paralela à face norte do Terreiro, uma malha urbana que partia em várias direcções, e assimilava as cinquenta ruas, sessenta ruelas e dezasseis praças que nessa área se contavam. O Rossio e o Terreiro do Paço mantinham as suas figuras irregulares, e só este, avançando sobre o Tejo e dividido em duas partes por uma Bolsa do Comércio, apresentava algo de novo. O programa de certo modo absurdo que Maia propusera, e que ele próprio sabia estar ultrapassado pela vontade oficial, constituiu, porém, um exercício válido. Outro exercício foi realizado pela equipa do capitão Poppe, com carácter mais abstracto. As antigas ruas largas que percorriam, de alto a baixo, o terreno puderam ser obliteradas e contrariadas por uma diferente malha que sobre elas traçou perpendiculares e horizontais, numa ortogonia propositada; só a Nova dos Ferros resistiu, ponto de referência tradicional cuja orientação se justificava pelo seu paralelismo à face norte do Terreiro do Paço, ela própria oblíqua. O Terreiro, tal como o Rossio, manteve a sua feição: toda a inovação se passou na malha urbana entre as duas praças e ela revela, incipiente embora, uma ideia urbanística moderna, em extremos de racionalização». In José Augusto França, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Director da Publicação António Quadros, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Minerva do Comércio, Instituto Camões, 1986.

Cortesia de ICamões/JDACT