sábado, 28 de dezembro de 2013

Um Percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal. D. João II. Manuela Mendonça. «Uma outra ideia nos ocorre: não teria sido com essa intenção que o monarca chamou ao reino Justo Baldino? Justo Baldino chegou ao reino, segundo Joaquim Veríssimo Serrão não antes de 1466. Ora nesta data tinha o Príncipe 11 anos»

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Educação
«(…) Ou a hipótese que levantámos se concretiza ou outros mestres, que por qualquer motivo não foram divulgados, participaram na formação intelectual de João. Tem-se alvitrado que os próprios mestres do rei tenham sido, posteriormente, os professores do Príncipe; contudo nada se pode provar documentalmente ou por escritos coevos. Apenas as recompensas dadas a esses homens poderiam esclarecer, mas a verdade é que nada lhes foi atribuido por João II. Nem mesmo Afonso V aparece a compensar os eventuais mestres de seu filho; apenas se verifica a concessão de uma tença de dois mil reais brancos anuais, feita por este monarca a Estevão Nápoles em 1450, portanto muito antes do príncipe nascer e, por isso, sem ter a ver com a sua educação. João II, ao contrário do que fez com Cataldo Sículo a quem, no dizer de Luis Matos, o rei beneficiou largamente concedendo-lhe em 1488 uma primeira tença de trinta mil reais, e uma segunda, em 1493, de dez mil reais..., nada atribuiu a estes mestres, como ficou dito. Se tivessem sido seus professores certamente o faria, pois recompensou outros como o mestre-escola Martim Afonso, concedendo-lhe desde Janeiro de 1494 a tença anual de seis mil reais brancos (...) e o gramático Fernando Afonso, mestre do Príncipe, pois que recebeu até à sua morte, em 1523, a tença de cinco mil e oitocentos e setenta reais. Do exposto podemos concluir que os mestres italianos que vieram à corte para educar Afonso V nada tiveram a ver directamente com a educação do Príncipe.
Aos educadores que parece terem sido escolhidos por seu pai, teria o Príncipe ficado a dever os ensinamentos que Resende sintetizou em ler, rezar e latim e escrever. Estaremos assim perante aqueles que teriam sido os iniciadores de João II nas lides intelectuais, mas nada mais que isso. E a nossa questão mantem-se pertinente: porque não chamou Afonso V homens de craveira para formar o Príncipe? Uma outra ideia nos ocorre: não teria sido com essa intenção que o monarca chamou ao reino Justo Baldino? Apesar de Carolina Michaelis afirmar que não consta que Justo Baldino tenha endoutrinado a D. João II, inclinamo-nos a pensar que sim. Afinal este dominicano italiano, doutor in utroque iure, teria sido chamado a Portugal apenas para que também os feitos de guerra e paz dos reinantes da primeira dinastia, narrados por Fernão l,opes na Primeira Parte das Crónicas, assim como a vida de João I, e o seu insigne Condestável, fossem geralmente sabidos? E possível; mas se acompanharmos a vida deste frade em Portugal, algumas dúvidas podem surgir. Justo Baldino chegou ao reino, segundo Joaquim Veríssimo Serrão não antes de 1466. Ora nesta data tinha o Príncipe 11 anos. Mas mesmo que a sua vinda se desse um ou dois anos mais tarde, vinha muito a tempo de ser seu mestre. Recordemos que Mateus Pisano chegou a Portugal cerca de 1446, data em que Afonso V teria os seus 14 anos, idade ideal para a formação específica do monarca; ora, Justo Baldino, a ter chegado a Portugal na data em hipótese, encontraria, pois, João com 11 ou 12 anos de idade. Por isso, embora não tenhamos disso notícia, inclinamo-nos muito à hitótese de que este dominicano humanista, referendário assistente do Papa Sisto IV tenha sido chamado para a formação específica do Príncipe. A sua recompensa teria sido a nomeação para bispo de Ceuta ao redor de 1480. A sublinhar esta hipótese registe-se que, apesar do cargo, nunca Justo Baldino se fixou no norte de Africa, o que parece significar que o Rei preferiu que ele permanecesse na corte; e em 1488 lá estava ele junto do monarca, presidindo à cerimónia do baptismo de Bemoim, segundo informou o cronista; terá morrido de peste, por volta de 1493, sem que tivesse deixado o mínimo sinal da Obra que se afirma ter sido chamado a executar. No mínimo parece estranho que um homem que foi chamado para um trabalho específico tenha passado mais de vinte e cinco anos em Portugal sem, ao menos parcialmente, o haver realizado. Isso só pode significar que teve outros afazeres e um deles, o principal, foi, do nosso ponto de vista, a formação do Príncipe. De resto não se explica que Afonso V tivesse descurado essa faceta. Assim retomamos a hipotese por nós avançada, com a convicção de que a mesma corresponde à realidade, embora seja impossível demonstrá-la. Pensamos, pois, que o rei não quis ir contra a facção da nobreza que o rodeava e que temia que as ideias políticas do infante Pedro fossem reintroduzidas em Portugal; como as mesmas teriam a ver com a presença dos mestres italianos, Afonso V aceitou, inicialmente, não os chamar; contudo, culto como era, não se podia impedir de querer proporcionar a seu filho os ensinamentos dos grandes mestres. Nesta indecisão optou por uma via discreta; não chamou oficialmente um mestre estrangeiro para João; conseguiu-o, no entanto, ao mandar vir de Itália frei Justo Baldino, um sabio dominicano e doutor em ambos os Direitos, para trasladar a latim as chronicas dos reis de Portugal; mas esta foi, evidentemente, a razão oficial, porque camuflado estava o objectivo visado: que o dominicano viesse a ser o Mestre que ainda não tinha sido dado a João; no fundo tudo aconteceu um pouco à semelhança do que, anos mais tarde, João II também viria a fazer, mas por motivos diferentes, quando chamou Cataldo Sículo que, vindo oficialmente para serviço do monarca, acabou por ser escolhido para mestre de Jorge. Retomando o procedimento de Afonso V, constatamos que a sua atitude não levantava suspeitas, já porque o fim a que vinha o Mestre estava bem definido, já porque os Dominicanos eram objecto da protecção de Afonso V e durante o seu reinado ensinavam Teologia na Universidade de Lisboa». In Manuela Mendonça, D. João II, Um Percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal, Imprensa Universitária 87, Editorial Estampa, Lisboa, 1991, ISBN 972-33-0789-8.

Cortesia de Estampa/JDACT