quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Um Percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal. D. João II. Manuela Mendonça. «… o que pode afirmar-se é que o critério seguido na contratação dos mestres dos príncipes e infantes, quer sejam estrangeiros, quer portugueses, foi o da competência»

Cortesia de wikipedia e jdact

Educação
«(…) Joaquim Ferreira Gomes, ao publicar Martinho de Mendonça e a sua obra pedagógica veiculou a informação fornecida por um autor do século XVIII. Começou por distinguir dois tipos de educação: a dos clérigos e a dos cavaleiros, para depois esclarecer que, a partir da Baixa Idade Média, este último tipo começara a aparecer condensado nos Tratados para a Educação de Príncipes, cuja primeira forma se ficou a dever a S. Martinho de Dume, autor que no século VI apresentou os primeiros tratados para este fim. Na Baixa Idade Média os manuais que mais influência vieram a exercer foram: De Regimine Principum de S. Tomás, escrito para a educação do rei de Chipre e um outro com o mesmo útulo, mas escrito por Egídio Romano para a educação de Filipe o Belo. Em Portugal só a partir de João I aparecem notícias testemunhando que estas obras se encontravam na Livraria Real. O Leal Conselheiro refere-se-lhes e é provável que a Virtuosa Benfeitoria nelas se tenha inspirado. Entretanto outras obras pedagógicas se difundiram pela Europa e chegaram a Portugal. Foi o caso de De ingenuis moribus et Liberalibus studiis adolescentiae escrito por Pier Paolo Vergério especificamente para educar Hubertino de Carrara, dos Senhorei de Pádua. Esta obra, eventualmente traduzida por Vasco Fernandes Lucena, por encomenda de Pedro, teria servido de base à educação de Afonso V. E importante notar esta escolha do Regente, já que se tratava de uma obra recentemente escrita. Isso diz-nos da sua actualização e da sua comunhão com os novos valores culturais, já que Paolo Vergerio … estuvo en Bolonia y Florencia, además de Pádua, Roma, Constanza (...). Aprendió griego de las lecciones florentinas de Crisoloras, pero de los sabios florentinos aprendió, sobre todo, el nuevo rumbo de la cultura. Sus ideas sobre los estudios son las de los grandes cancilleres de la República, de Coluccio Salutati y de Leonardo Bruni. El las estructura, las ordena y expone en un pequeño tratado, De ingenuis moribus et liberalibus adolescentiae studiis, escrito a principios, del 1400 (...) Domina en ella una profunda confianza en la cultura. Podemos, pois, afirmar que o Regente escolheu, para educar Afonso V, a linha humanista que, a partir de Itália, se viria a difundir posteriormente pela Europa e na qual Vergerio, como todos los primeros humanistas, une indisolublemente la cultura a la vida ciudadana, y quiere formar al príncipe, al capitán y, en general, al ombre político. Infelizmente perdeu-se a tradução portúguesa da obra, restando dela apenas o prólogo que, juntamente com a mesma parte da outra obra de Lucena, Tratado das virtudes que ao rei pertencem, se encontra publicado por J.M. Piel no Livro dos Oftcios.
Pondo em realce a importância da influência de mestres italianos na formação intelectual de Afonso V, Carolina Michaelis de Vasconcelos escreveu que Mateus Pisano servia de mestre a Afonso V, já preparado por certo Estevam de Nápoles. A este propósito escrevia Manuel Gonçalves Cerejeira que Portugal começava a pôr-se na escola do humanismo, vê-se pelos mestres italianos mandados vir para o reino. De Mateus Pisano, a quem Zurara chama poeta laureado, e hum dos suficientes filósofos, e Oradores que em seus dias concorreram na cristandade, sabe-se, por testemunho deste cronista seu amigo, que foi mestre de Afonso V. Recentemente Luís de Matos publicou, baseando-se exclusivamente em fontes quatrocentistas e quinhentistas, um elenco dos professores dos príncipes e infantes. Quanto à sua selecção diz o autor: o que pode afirmar-se é que o critério seguido na contratação dos mestres dos príncipes e infantes, quer sejam estrangeiros, quer portugueses, foi o da competência. Como mestres de Afonso V refere, além de Estevão de Nápoles e Mateus Pisano, frei Gil de Tavira.
Do que fica dito podemos, portanto, afirmar que Pedro, ao escolher ou aconselhar estes mestres para o jovem rei, teve como critério de selecção a sua abertura ao ideal humanista. Certamente por isso se explica que tenha insistido em professores italianos. Que o trabalho dos mestres deu frutos fala a posterior actuação de Afonso V na protecção à Universidade, concretizada, por exemplo, através do aumento das suas rendas e do próprio ordenado dos professores ou ainda a frequente atribuição de bolsas de estudo que permitia aos joveng estudantes deslocarem-se para o estrangeiro, concretamente para Itália, em busca do contacto com essas novas correntes de pensamento. E com tanta prodigalidade distribuiu o rei estas bolsas que o povo delas se queixou, primeiro ao próprio rei e, depois da sua morte, nas cortes de 1481 - 82 a seu filho. O convite de Afonso V a Justo Baldino para vir para Portugal é mais um testemunho do apreço que o rei africano dispensava à nova corrente cultural veiculada pelos mestres italianos. A isenção dos pagamentos de dízima e posteriormente de sisa eventualmente aplicável aos livros importados foram igualmente sintomas do valor que o rei atribuia à cultura. Todos estes indícios, aliados à própria formação dos cortesãos que de mais perto rodearam o monarca, testemunham a existência dè uma corte onde se prezava o valor intelectual. Deste modo se compreende que o príncipe João tivesse respirado, ao nascer, esse ambiente. Depois foram as suas próprias exigências, combinadas com os ensinamentos dos seus Mestres, que lhe abriram a senda mais vasta do humanismo político». In Manuela Mendonça, D. João II, Um Percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal, Imprensa Universitária 87, Editorial Estampa, Lisboa, 1991, ISBN 972-33-0789-8.

Cortesia de Estampa/JDACT