sábado, 14 de dezembro de 2013

Nelson Mandela. Uma Lição de Vida. Jack Lang. «A luta que nos oferecia melhores perspectivas, e menores riscos de vida para ambos os lados, era a guerra de guerrilha. Decidimos, por consequência, nos nossos preparativos para o futuro, tomar providências para a hipótese da guerra de guerrilha»

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Estou disposto a morrer
Declaração de Nelson Mandela no banco dos réus, em sua defesa, na abertura do julgamento de Rivonia

Ao Tribunal Supremo de Pretória, 20 de Abril de 1964.
[…]

«(…) Evitar uma guerra civil foi o nosso lema durante muitos anos, mas quando decidimos incluir a violência na nossa política, tomámos consciência de que talvez um dia tivéssemos de a enfrentar. Tivemos de contar com ela ao estabelecer o nosso plano de acção. Precisávamos de um plano suficientemente flexível para nos permitir agir em função da evolução da situação e que, acima de tudo, considerasse a guerra civil como último e extremo recurso, deixando para o futuro a decisão. Não queríamos lançar-nos numa guerra civil, mas queríamos estar preparados para o caso de ela se tornar inevitável. Para isso dispunhamos de quatro meios: a sabotagem, a guerrilha, o terrorismo e a rebelião aberta. Optámos pelo primeiro, determinados a esgotá-lo antes de tomar outra decisão. À luz dos nossos antecedentes políticos, a nossa opção era lógica. A sabotagem excluía a perda de vidas humanas, e o futuro das relações raciais apresentava-se esperançoso. O rancor atenuava-se e, se a nossa política produzisse frutos, um governo democrático poderia um dia tornar-se realidade.
[…]

Quantas Sharpevilles iriam ainda ficar registadas na história do nosso país? E quantas Sharpevilles poderia o país ainda suportar sem trazer de regresso à ordem do dia a violência e o terror? E, uma vez transposta esta etapa, que iria acontecer ao nosso povo? Estávamos certos de que iríamos vencer, mas a que preço para nós próprios e para o país? E se 1á chegássemos, como poderiam então negros e brancos voltar a viver juntos em paz e harmonia? Eram estes os problemas com que nos víamos confrontados, e era este o nosso estado de espírito quanto às decisões a tomar. A experiência convenceu-nos de que a rebelião daria ao governo oportunidades ilimitadas para o massacre indiscriminado do nosso povo. Mas foi precisamente porque o solo da África do Sul já estava empapado com o sangue de africanos inocentes que considerámos nosso dever prepararmo-nos, a longo prazo, para usar a força, com a finalidade de nos defendermos contra a força. Se a guerra era inevitável, queríamos que a luta fosse conduzida nos termos mais favoráveis possível para o nosso povo. A luta que nos oferecia melhores perspectivas, e menores riscos de vida para ambos os lados, era a guerra de guerrilha. Decidimos, por consequência, nos nossos preparativos para o futuro, tomar providências para a hipótese da guerra de guerrilha.
[…]

O credo ideológico do ANC é, e sempre foi, o credo do nacionalismo africano. Não é o conceito do nacionalismo africano expresso no grito Empurrar o homem branco para o mar. O nacionalismo africano que o ANC representa é o conceito de liberdade e realização para o povo africano na sua própria terra. O documento político mais importante alguma vez adoptado pelo ANC e a Carta da Liberdade. Nada tem a ver com um Estado socialista. Apela à redistribuição, e não à nacionalização das terras; se prevê a nacionalização das minas, dos bancos e do monopólio industrial, é porque os grandes monopólios pertencem a uma única raça e porque, sem isso, a supremacia racial continuaria, fosse qual fosse o poder político. Seria inútil revogar as proibições impostas aos africanos pela lei do ouro quando todas as minas de ouro pertencem a companhias europeias. Neste aspecto, a política do ANC corresponde à antiga política do actual Partido Nacional que, durante muitos anos, incluiu no seu programa a nacionalização das minas de ouro, então sob a tutela de capitais estrangeiros. De acordo com a Carta da Liberdade, só uma economia baseada na empresa privada permitiria a nacionalização. A aplicação prática da Carta ofereceria novas perspectivas de uma população africana próspera constituída por todas as classes, incluindo a classe média. Nunca o ANC, em nenhum período da sua história, advogou uma mudança revolucionária na estrutura económica do país, nem jamais, que eu me lembre, condenou a sociedade capitalista». In Jack Lang, Leçon de vie pour l’avenir, Perrin 2004, Nelson Mandela, Uma Lição de Vida, Editorial Bizâncio, Lisboa, 2005, ISBN 978-972-53-0275-0.

Cortesia de Bizâncio/JDACT