sábado, 21 de dezembro de 2013

Francisco Monzón A Princesa Cristã. Maria de Lurdes C. Fernandes. «… apesar de exigirem à princesa ou à grande senhora um maior protagonismo na sua interiorização e, consequentemente, na sua afirmação e divulgação. E se é sabido que poucos foram muito além da recuperação e repetição, embora com intuitos de ‘actualização’ de velhos tópicos…»

Cortesia de wikipedia

«A atenção crescente que às figuras do príncipe e do cortesão foi sendo dada ao longo do século XV e na primeira metade do século XVI pela tratadística moral e pedagógica europeia nem sempre foi acompanhada, compreensivelmente, por uma idêntica ou aproximada atenção, literariamente traduzida, pelo menos, em relação à princesa e a dama de corte. É certo que a mulher, especialmente a nobre, donzela, casada ou viúva, se tornou, por estes séculos, numa destinatária privilegiada de alguns tipos de textos, entre os quais ocuparamum lugar importante algumas obras de espiritualidade e textos educativos mais específicos, dos quais um dos mais sonantes é a Institutio Foeminae Christianae de Luis Vives. Mas, de um modo geral, as mensagens destes eram igualmente válidas para todas as mulheres, apesar de exigirem à princesa ou à grande senhora um maior protagonismo na sua interiorização e, consequentemente, na sua afirmação e divulgação. Naturalmente, os objectivos educativos, sobretudo no que dizia respeito aos aspectos relacionados com o comportamento moral e, em alguns casos, religioso, ditavam as linhas mestras dessas mensagens. E se é sabido que poucos foram muito além da recuperação e repetição, embora com intuitos de actualização, de velhos tópicos, de velhas fórmulas ou da tentativa de fixação de modelos comportamentais, não será menos verdade que a insistência, a repetição, a reformulação e, logo, os novos prismas de abordagem obrigaram ou conduziram a alguns novos olhares sobre o lugar da mulher, num primeiro momento da mulher nobre, mas não só a de corte, na sociedade, ainda que desde a perspectiva dos seus deveres familiares ou domésticos.
Mas é também neste contexto que a pesquisa da incidência do olhar, ainda que discreto, e dos debates sobre as funções, a vários níveis da princesa e da dama de corte poderá adquirir um significado importante ou interessante, até porque muitas das questões levantadas, ou recoladas, neste período em torno da alegada inferioridade (física, intelectual ou social) da mulher conduziram também à exaltação de algumas claras e virtuosas mulheres, entre as quais figuravam não só importantes figuras bíblicas ou da tradição clássica, mas também algumas mais modernas, entre elas algumas princesas e grandes senhoras, propostas também como exemplos ou espelhos para todas as mulheres. Não podemos esquecer os objectivos e, logo, os textos que determinaram o modo como foram elaborados não só os textos, mas também o tratamento específico dos termos femininos em diferentes obras. Não podemos, por exemplo, ler ou interrogar do mesmo modo uma obra como a Institutio Foeminae Christianae de Luis Vives e o terceiro livro de Il Cortegiano de Castiglione, apesar de ambas as obras se deverem a dois humanistas e de terem sido editadas em datas muito próximas: só que em contextos e para públicos, pelo menos, bastante diferentes, tanto mais que, ao nível do próprio título das obras, se fazia uma diferenciação relativamente clara dos seus destinatários. E nem o facto de ambas terem sido traduzidas para castelhano por humanistas espanhóis e editadas em datas relativamente próximas (a primeira em 1528 e 1529 e a segunda em 1534) poderá permitir inferir, num primeiro momento, o mesmo tipo de público na Península Ibérica. No caso concreto de Il Cortegiano, só o conhecimento da obra poderia dar conta conta da presença dos temas femininos na mesma». In Maria de Lurdes Correia Fernandes, Francisco Monzón e a Princesa Cristã, Revista da Faculdade de Letras – Línguas e Literaturas, Anexo V, Séculos XVI-XVIII, Porto, 1993.

Cortesia de FLP/JDACT