sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Estado da Questão. Revistas Filosóficas em Portugal. Pedro Calafate. «Leonardo Coimbra que analisa a contribuição das modernas teorias científicas para o que designava como uma ‘concepção espiritualista do universo’. Neste estudo desenvolve a sua teoria da realidade entendida como “actividade e liberdade” do pensamento»

Cortesia de wikipedia

«(…) A década de 20 verá nascer a revista Seara Nova, fundada em 1921 em torno do chamado grupo da Biblioteca Nacional, instituição dirigida, desde 1919, por Jaime Cortesão. Com uma existência de quase sete décadas, nela colaboraram, para além de Cortesão, Aquilino Ribeiro, Raul Proença, Hernâni Cidade, Augusto Casimiro, Teixeira Gomes e aquele que nela viria a assumir maior proeminência: António Sérgio, que nas suas páginas alimentou parte considerável das suas polémicas. Em termos de caracterização, necessariamente genérica, a revista Seara Nova reuniu os intelectuais que de algum modo se situavam na continuidade da linha de acção e de reforma cultural iniciada pelo iluminismo setecentista, com expressão na centúria seguinte em temas como o do progresso infinito, com valorização axiomática da Ciência e do naturalismo científico como núcleo dinâmico duma reforma da cultura e das mentalidades. Cumpre referir que, durante a vigência do Estado Novo, se assumiu como importante tribuna na divulgação dos ideais democráticos. Ainda na década de 20 deve destacar-se a revista coimbrã Presença (1927-1940), cujo objectivo foi dar alento ao movimento de renovação estética designado por modernismo. A temática dominante foi sem dúvida a estética literária e só indirectamente a poderemos considerar entre as nossas revistas filosóficas. Todavia, corporizou, como ponto de chegada, um importante movimento de irreverência e transformação cultural, iniciado anos antes com o designado primeiro modernismo, em torno da revista Orpheu (2 números, 1915), Centauro (1 número, 1916) e Athena (1924-1925) entre outras, associado a nomes como Almada Negreiros, Fernando Pessoa e Mário Sá Carneiro. Entre a colaboração filosófica de maior relevo na Presença, encontramos artigos de Delfim Santos, José Marinho, Raúl Leal e José Bacelar.
E ainda este o período em que se assiste à fundação de duas revistas universitárias de carácter interdepartamental, nas quais a filosofia ocupou lugar saliente. Referimo-nos à Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1920-1923) e à Biblos (1925 até à actualidade). A primeira era mais uma expressão da vitalidade cultural que então emergia da academia portuense, contando, na sua comissão de redacção, com Leonardo Coimbra, Hernâni Cidade e Mendes Corrêa. Foi no primeiro número dessa revista que Leonardo Coimbra publicou o seu importante estudo sobre O Problema da Indução. É de referir ainda o número 5 desta publicação, onde se inclui mais um estudo de Leonardo Coimbra que analisa a contribuição das modernas teorias científicas para o que designava como uma concepção espiritualista do universo. Neste estudo desenvolve a sua teoria da realidade entendida como actividade e liberdade do pensamento, no quadro mais vasto de uma crítica às incongruências do mecanicismo e de uma aproximação ao pensamento kantiano. Um ano após a fundação da referida revista universitária, surge, em 1921, impulsionada por antigos alunos da Faculdade de Letras do Porto, a revista A Crisálida/A Nossa Revista (dirigida por Baltasar Cardoso Valente), a qual contou também com a colaboração filosófica José Marinho e de Leonardo Coimbra. Deve salientar-se aí o estudo de José Marinho, nos números 6/7 dedicado à análise das relações entre o Logos e a Liberdade, e os três trabalhos de Leonardo Coimbra, sobre a ideia de tempo na Física dc Einstein (nº 3), sobre o amor em Platão (n° 4) e sobre o espírito do cristianismo (nº 6/7).
Quanto à Biblos (Boletim da Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), inicialmente dirigida por Mendes Remédios, constitui uma das mais prestigiadas revistas universitárias do actual panorama cultural português, projectando a investigação académica da Universidade de Coimbra. Tomando por referência os últimos treze anos, encontramos a colaboração activa de Miguel Batista Pereira com estudos sobre a filosofia contemporânea nomeadamente sobre o pensamento de Heidegger e Jean Paul Sartre; de Fernando Catroga sobre Antero de Quental, mais especificamente no que concerne ao conceito de evolução e à metafísica indutiva no pensamento anteriano; no âmbito da lógica aí se incluem vários estudos de Amândio Augusto Coxito, nomeadamente sobre o conceito de método na dialéctica renascentista de frei Francisco Cristo, e sobre os conceitos de suppositio e significatio em Pedro Hispano; o mesmo Pedro Hispano é ainda merecedor da análise de Manuel Augusto Rodrigues, que estuda o seu pensamento teológico e místico. São ainda de destacar os estudos de Cerqueira Gonçalves sobre a interpretação cristã da categoria da relação, e sobre a filosofia da paz; de Francisco Gama Caeiro sobre o lugar de Miranda Barbosa na filosofia portuguesa contemporânea; de M. da Costa Freitas sobre Santo Anselmo; de Gustavo de Fraga sobre a fenomenologia e de António José de Brito sobre os juízos de existência, referências mais do que suficientes para fazer da Biblos uma tribuna de inquestionável valor no âmbito da actividade filosófica portuguesa». In Pedro Calafate, Estado da Questão, Revistas Filosóficas em Portugal, Philosophia 2, Lisboa, 1993.

Cortesia de Philosophica/JDACT