segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Sancho I. Peregrino e devoto de S. Senhorinha de Basto. Geraldo Coelho Dias. «… foi levado por Egas Moniz em peregrinação à ermida de Santa Maria de Cárquere, Resende, onde foi salvo, por milagre de Nossa Senhora, do aleijão com que nasceu?»

Cortesia de wikipedia

«Todos sabemos que, para os reis cristãos da Idade Média, por mais pecadores e violentos que fossem, a religião fazia parte da sua vida e eles não tinham vergonha de a manifestar em público. Não precisavam de se declarar católicos quando andavam pelo reino, em corte aberta, a administrar justiça, a passar correição às suas gentes ou a fazer inquirições sobre os seus reguengos. A Idade Média era tempo de muitas carências ao nível da vida real e de muito atraso cultural; a ciência médica ainda não conseguira resolver banais problemas de saúde ou vencer doenças mais ou menos naturais. Por isso, Deus e os seus Santos, mesmo para os reis, eram sempre o recurso mais imediato e os grandes protectores para os males do corpo e do espírito. Afinal, os reis também sentiam a sua fraqueza natural e, por isso, não deixavam de rezar por si e pelos seus. Para isso faziam peregrinações à Tera Santa, a Santiago de Compostela e a outros lugares santos espalhados pela cristandade. Dentro dos seus reinos, não raras vezes, aproveitavam as suas viagens de governação para visitar os santuários mais famosos e invocar os santos mediadores, que a devoção do seu povo sentia próximos e chegados ao mundo dos homens, particulares advogados para coisas ruins e males desconhecidos. Na doença e nos infortúnios da vida, todos os mortais eram iguais. Não foi assim que Afonso Henriques, o pai da pátria portuguesa, foi levado por Egas Moniz em peregrinação à ermida de Santa Maria de Cárquere, Resende, onde foi salvo, por milagre de Nossa Senhora, do aleijão com que nasceu? Ora, tal pai, tal filho. Que admira, que também seu filho, Sancho I, lhe seguisse o exemplo, quando a desgraça lhe bateu à porta e pôs seu filho, futuro Afonso II, o Gordo, em grave perigo de vida?
Foi exactamente isso que aconteceu, naquele distante 29 de Maio de 1200, conforme reza a pública-forma duma carta de couto passada em Braga pelo tabelião João Fortes, a 10/XII/1278, transcrita depois no Liber Fidei da Sé de Braga e a cujo conteúdo faz referência frei António Brandão na Monarquia Lusitana, parte IV, Livro 12, capítulo 27. Andava o rei em visita pelas úberes mas ermadas terras de Basto, então chefiadas pelo nobre Gonçalo Mendes, da nobre linhagem dos Sousões. Tinha visitado e pousado, com certeza, no célebre mosteiro beneditino de S. Miguel de Refojos de Basto e, ali, teria exposto aos monges a sua apreensão e desolação, face a uma esquisita doença (lepra?) de seu filho e herdeiro, que viria a ser o nosso rei Afonso II, o Gordo (1185-1223). Nessa altura o príncipe herdeiro teria cinco anos de idade. Aos monges teria, então, o aflito e preocupado progenitor ouvido falar da poderosa intercessão e dos extraordinários milagres de Santa Senhorinha. A igreja da Santa era ali bem pertinho e os religiosos, qua assistiam espiritualmente a igreja da Santa, para lá encaminharam o atribulado pai e impotente rei.
Conforme o próprio monarca narra, em estilo directo, na primeira pessoa, lá se dirigiu a fim de rezar, causa orationis, junto do túmulo da gloriosa Virgem, Santa Senhorinha. Não teve respeitos humanos e, diante dos presentes, com gemidos e suspiros, gemitibus et suspiriis, impetrou a saúde para seu filho Afonso, fazendo a promessa de criar à volta da igreja um couto de protecção, que ele próprio percorreu a pé, mandando que Gonçalo Mendes, senhor da terra, levantasse as pedras de coutação. O documento é autêntico e vem reproduzido entre os documentos de Sancho I». In Geraldo Coelho Dias, D. Sancho I, Peregrino e devoto de Santa Senhorinha de Basto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Revista da Faculdade de Letras, II Série, Vol. XIII, Porto, 1996.

Cortesia da FLUP/JDACT