quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Pedro, Inês e a Fonte dos Amores. Carolina Michaelis de Vasconcelos. «Agora (1924) a interpretação histórica da rosácea e da legenda Até a fim do Mundo foi substituída por outra simbólica por Reinaldo dos Santos no interessante estudo (a Iconografia dos Túmulos de Alcobaça) que publicou na ‘Lusitânia’»

Cortesia de wikipedia e jdact

Pedro, Inês e a Fonte dos Amores
«(…) Na penúltima, reproduzida na obra de Vieira Natividade, e que é precedida de outras três cenas de luta violenta entre a sacrificada e o assassino (ou os assassinos) vê-se um homem que violentamente puxa para trás a cabeça dela, caída de joelhos. E segurando-a pelos cabelos a destronca ou antes já acabou de a decapitar, visto que a cabeça está separada no chão. Lá é sem cepo portanto, mas por um algoz que se realiza o acto. O sagaz e engenhoso intérprete dos túmulos considera essas representações todas, e as que constituem a orla superior do sarcófago de Pedro, como executadas entre 1356 e 1367 e inspiradas ou impostas ao escultor pela vontade suprema daquele que é autor principal dessa tragédia de amor. Por isso mesmo como documento histórico fidedigno. E embora eu pense em geral que a mão do artista nunca se cinge aos factos materiais com rigor absoluto (a arte é livre; estiliza e idealiza, eliminando o desnecessário, concentrando e aproximando o essencial, tanto no tempo como no espaço, afim de enfatizar assim), nem tão-pouco a do historiador, e em particular não possa esquecer que Pedro era muito capaz de sacros-perjúrios, concordo quanto à eloquência realista dessa cena sangrenta, na fé de que o reinante não a teria admitido se não fosse verídica na essência.
Agora (1924) a interpretação histórica da rosácea e da legenda Até a fim do Mundo foi substituída por outra simbólica por Reinaldo dos Santos no interessante estudo (a Iconografia dos Túmulos de Alcobaça) que publicou na Lusitânia. Lendo AE Fim do Mundo e tomando A por princípio, refere essa híbrida e improbabilíssima fórmula de A e Fim ao ciclo da vida na terra ou à instabilidade das coisas na terra, ilustrada por episódios do Grande Desvairo. Hipótese que não me parece provável. É tudo? Sim, tudo quanto de verdadeiramente documental e do século XIV está por ora patente aos nossos olhos. Talvez existam contudo pormenores inéditos na Crónica Geral do tempo de João I que pertence à Academia das Ciências de Lisboa ou na redacção diversa da mesma que existe na Biblioteca Nacional de Paris, e outrora fazia parte da livraria do Condestável Pedro, filho do Regente. Possível é mesmo que no texto castelhano, também inédito, que é original de ambos e representa uma refundição da Cronica General de España que fora aumentada em 1344, já figure a Estorea de Enês tal qual os antigos logo a escreveram e Fernão Lopes a aproveitou na sua Crónica de Afonso IV, desaparecida, quer propositadamente, quer por descuido.

NOTA: Quanto às Crónicas portuguesas, consulte-se o utilíssimo estudo de Jaime Cortesão, Do Sigilo Nacional sobre os descobrimentos, publicado na Lusitânia, I. Em todas as suas obras Fernão Lopes refere-se amiúde àquilo que os antigos notaram em escrito.

Estorea que, mutatis mutantis, literariamente emparelharia com a de NunÁlvares, a do Infante Santo e até certo ponto com a Lenda de Santa Isabel. Mas, conforme já deixei expresso na Saudade Portuguesa, aquelas Crónicas estão por explorar. O Romance castelhano da Degolada, inspirado pela lenda de Inês, que hoje principia Donde vas, el caballero? Onde vas triste de ti? Tão vivo na memória dos Castelhanos que, modificado, o aplicaram em 1878 ao amor profundo do rei Afonso XVII pela Rainha D. Mercedes, romance que no século XVII Velez Guevara introduzira no seu drama inesiano Reinar después de morir, e por isso tratado sem hesitar de Romance de Inês de Castro por diversos estrangeiros, claro que não o devemos contar entre os documentos conquanto seja antigo e tradicional. Escuso de acrescentar que investigadores conscienciosos da história de Inês, como Ribeiro Vasconcelos e Sanchez Moguel, acreditam na Degolação. Poetas cultos que se lembraram de Pedro e Inês, esses imitaram a cortesia e discrição dos historiadores. Só vaga e impessoalmente assentaram que deram a morte a Inês, ou que a mataram cruamente». In Carolina Michaelis de Vasconcelos, Artigo publicado na Revista Lusitânia, volume II, compilado em Dispersos, Originais Portugueses, I Vária (1º volume), Lisboa, Edições Ocidente, 1969.

Cortesia de E. Ocidente/JDACT