terça-feira, 26 de novembro de 2013

Duas Irmãs para um Rei. Isabel de Castela e Maria de Castela. Isabel Guimarães Sá. «Os cronistas mais próximos de Isabel, Juan de Flores, Mosén Diego Valera, Fernando del Pulgar e Andrés Bérnaldez, escreveram em castelhano e não em latim, o que denota o cuidado de chegar a um público…»

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As Fontes. Vários cronistas espanhóis e também alguns italianos
«(…) Apresentemos em primeiro lugar a dinastia régia da qual provinham as nossas duas rainhas de Portugal: os Trastâmaras. Em comum com a de Avis, portuguesa, uma origem ilegítima, porque começada num bastardo de Afonso XI de Castela, Henrique II, que chegou ao trono em 1369 depois de uma luta fratricida com o meio-irmão Pedro, que matou. Um ramo da família ocuparia o trono de Aragão em 1412, e o ponto máximo da dinasú seria o ano de 1469, em que as duas linhas se uniriam através do casamento de Isabel, a Católica, com Fernando de Aragão. Mas, hélas, este seria o último Trastâmara, uma vez que a herdeira do trono, Joana de Castela e Aragão, era casada com um Habsburgo (ou Áustria) e a sucessão passou para o filho mais velho do casal, o nosso bem conhecido Carlos V assim mudando a casa reinante no trono de Espanha. A historiografia recente tem-se debruçado sobre o papel político desempenhado pelos cronistas, ressaltando o seu enfeudamento aos propósitos dos seus amos. Ana Isabel Carrasco Manchado analisou-os enquanto agentes de propaganda régia ao longo dos anos iniciais do reinado de Isabel, a Católica (1474-1482), que ascendera ao trono de forma questionável, e o assegurara depois de uma guerra civil. Richard Kagan, por seu turno, incidiu sobre todos os cronistas das coroas que entretanto incorporaram a moderna Espanha, muito embora focando sobretudo os que trabalharam de Carlos V em diante. Estes estudos confirmam o que já tínhamos intuído: que nenhum dos cronistas escreveu de forma neutra (se é que semelhante coisa existe), e que muitas vezes omitem ou distorcem os acontecimentos de forma a cumprir objectivos políticos. Dessa forma, a fiabilidade das crónicas é relativa, e todo o cuidado é pouco quando são consultadas. Mas uma vez mais, não posso ter a pretensão de ter passado as afirmações dos cronistas por um crivo rigoroso. A maior parte das vezes limito-me a acreditar neles, sobretudo quando não detecto razões óbvias para mentirem. Um trabalho seguro teria de ter tido um prazo de execução mais dilatado. Outro escolho me esperava na leitura dos cronistas espanhóis: o seu elevado número, quando comparados com os disponíveis para Portugal neste período. Foi-me impossível conhecê-los a todos com a profundidade que teria desejado; sobretudo, detectar repetições ou diferenças narrativas substanciais entre eles. À semelhança dos cronistas portugueses, notará que os seus homólogos espanhóis, conheciam os reis de perto, acompanhando a sua corte itinerante pelas vastidões dos reinos de Castela e Aragão. Poucos escreveram sem essa experiência directa dos acontecimentos, e, talvez com a excepção de Jerónimo Zurita, cronista da Coroa de Aragão, não fizeram intensas consultas documentais. Eram gente que partilhava emoções, sentimentos e interesses com a corte dos dois reis, e que presenciara de perto os acontecimentos, ou ouvira narrativas destes, mexericos e até boatos. Informação e contrainformação fervilham nestas crónicas, e deambulei por elas como por labirintos traiçoeiros. Mas passemos agora a apresentá-los.
Os cronistas mais próximos de Isabel, Juan de Flores, Mosén Diego Valera, Fernando del Pulgar e Andrés Bérnaldez, escreveram em castelhano e não em latim, o que denota o cuidado de chegar a um público tão vasto quanto possível. Comecemos pelo mais velho de todos eles: Mosén Diego Valera (1412-1488), que escreveu, entre outras obras, a Crónica de los Reys Católicos, que abarca os anos entre 1474 e 1488, e narra as guerras contra Portugal e Granada. O autor lutou na Batalha de Toro e desempenhou cargos importantes ao longo dos reinados de João II de Castela, Henrique IV e dos Reis Católicos. Viajou por toda a Europa em missões diplomáticas, incluindo a Dinamarca, Inglaterra, Borgonha e França. Viveu em ambientes variados e presenciou acontecimentos importantes ao longo da vida, que, para Isabel del Val Valdivieso, lhe conferiram um ponto de vista privilegiado sobre os acontecimentos narrados». In Isabel Guimarães Sá, Rainhas Consortes de D. Manuel I, Isabel de Castela, Maria de Castela e Leonor de Áustria, C. de Leitores, 2012, ISBN 978-972-42-4710-6.

Cortesia de CL/JDACT