domingo, 17 de novembro de 2013

Confissões de Uma Freira Pagã. Romance histórico. Kate Horsley. «Como um raio de luz que ilumina jóias há muito enterradas. A voz de um ‘silêncio’ antigo e uma vida inesperada e cheia de brilho de pessoas que viveram num tempo de obscurantismo…»

Guarida (casulo) similar ao de Castro Laboreiro / jdact

Gaélico para inglês
«Das cartas e outros documentos escritos nos dias primordiais da Cristandade, poucos sobrevivem com uma autenticidade inquestionável. A maioria destes foram escritos em latim. Eu dou como exemplo dois documentos da mesma época do manuscrito aqui apresentado: O Confessio de São Patrício, escrito por volta de 450 a. C. e as cartas da freira Egera, que escreveu o relato da sua peregrinação ao Oriente no início do século quinto, para o benefício das suas irmãs do norte de Espanha ou sul de França. Gwynneve, autora do texto aqui traduzido, para além de escrever por volta de cinquenta anos após a época em que escreveram Patrício e Egeria, estava na Irlanda e escreveu sobre a Irlanda. Tal como Egeria, ela é uma mulher cujo nome e identidade não estão clarificados em qualquer história do seu tempo. No entanto, as diferenças são mais significativas do que as semelhanças. Ao contrário de Patrício e de Egeria, que escreveram em latim eclesiástico (se bem que em estilos diferentes), Gwynneve escreveu em Gaélico, a sua língua materna. Ela era instruída em Grego e Latim, como pode ser lido nos relatos das suas tarefas. Pode-se especular que o uso do Gaélico, uma língua que lhe era tão pessoal e amada, levou-a a dar detalhes da sua vida, pouco usuais noutros textos desta época. Enquanto que existem narrativas eclesiásticas que incluem detalhes da história do escritor (como aqueles de Patrício ou de Agostinho de Hipona), a maior parte destes fazem-no ao serviço da conversão do escritor à cristandade, relatos de pecado e salvação do autor. O estilo de Gwynneve foi claramente influenciado por estes escritores cristãos, e pelos documentos romanos, tal como pelas escrituras detalhadas e seculares daqueles filósofos que os estudiosos cristãos transcreveram, mas o tom dela foi grandemente moldado pela tendência Gaélica de imagens poéticas
e de revelação emocional.
Neste período, a Igreja estava próxima de conseguir eliminar os muitos movimentos hereges que abundavam nos primórdios da cristandade, incluindo a heresia de Pelágio, à qual alude Gwynneve, e as heresias Gnósticas, tais como o movimento Montanista. A Igreja ameaçou os hereges com castigos severos, incluindo a morte; essa é a razão muito provável pela qual este documento foi escondido e só recentemente recuperado. O manuscrito foi encontrado numa escavação perto de Kildare, no condado de Kildare, na Irlanda, aproximadamente a dois quilómetros do convento dedicado a Santa Brígida. (A Santa Brígida era uma manifestação cristã da deusa pagã Brígida, uma mulher que se diz ter sido criada por um druida e convertida por Patrício). O manuscrito original está na forma de codex, uma série de fólios de pergaminho cosidos e encapados com pele de porco. Ligeiramente danificado por manchas de água, foi descoberto numa caixa selada feita de barro e ferro, entre outros artefactos dentro de um poço, ou um buraco estreito, utilizado para guardar restos humanos, ofertas de agricultura e outros objectos religiosos. De acordo com documentos arqueológicos e o folclore local, o poço tinha outrora sido o local de um ritual que envolvia atirar cicuta fresca nas suas profundezas duas vezes por ano, seguido de um festim em honra de um espírito ou santo sem nome que é suposto dar conforto aos moribundos e às mães que estão de luto pelos filhos mortos.
O codex, o único encontrado no local, está datado por volta do ano 500 a. C.. O original foi escrito em Gaélico e contém algumas frases em latim. Onde não existe uma palavra em inglês equivalente, o termo Gaélico é mantido. As frases em latim foram mantidas para manter o desejo original da escritora de as inserir como excepções ao Gaélico.

Confissões de uma freira pagã. Declaração
Eu, Gwynneve, uma pecadora deveras inculta e, além disso, fiel e totalmente desprezível para muitos, apelo a Santa Brígida ou à deusa Brígida, qualquer que seja o nome pelo qual queira ser chamada. Rezo para que ela, sendo a guardiã dos poetas, me abençoe com palavras honestas e fortes. Eu sou o que se chama uma cele dê (uma servente de Deus, ou freira), perto da idade de infertilidade, quando o ventre de uma mulher se torna inútil e cabelos lhe começam a nascer no queixo. Vivo num colmo, entre um aglomerado deles, feitos de pedra e situados na igreja de Brígida, um lugar cheio de beleza mas sempre frio e húmido, excepto durante o Verão quando o vento é verde. Sinto-me constantemente tentada a fazer uma pausa no meu trabalho e a ficar lá fora, no monte, a contemplar o vale e as ondas de colinas à distância.
Durante a maior parte dos dias e das noites vivo e trabalho no meu clochan (uma cela em forma de colmeia feita de pedra), com uma vela de cera para iluminar o pergaminho». In Kate Horsley, Confessions of a Pagan Nun, Confissões de Uma Freira Pagã, Romance Histórico, Ésquilo, Lisboa, 2002, ISBN 972-8605-18-8.

Cortesia Ésquilo/JDACT