sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «João Peculiar teria de se justificar por causa das pretensões do primado toletano, o que significava que se pretendia exigir dele obediência ao arcebispo de Toledo, motivo bastante, “este”, para ele evitar o concílio»

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A luta contra o primado de Toledo
«(…) Além disso surgiu, enquanto Jacinto visitava as dioceses galegas, nova dificuldade, ou antes: uma velha questão, que dormia há vinte anos, aparecia de novo: a luta entre Braga e Santiago. Tratava-se sobretudo das pretensões de ambos ao bispado de Coimbra e aos dois bispados de Viseu e Lamego, estes últimos dirigidos anteriormente por Coimbra e agora independentes. Os arcebispos de Santiago tinham, não importa por que motivo, e desde os primeiros anos de Inocêncio II, estado calados a respeito da sujeição dos três bispados a Bragal; agora retomou o arcebispo Paio as suas antigas pretensões que Calisto II confirmara por escrito. Igualmente renovou velhas queixas por causa dos seus direitos a meia cidade de Braga e por causa dos votos de Santiago, que Braga se recusava a pagar. Apresentou a Jacinto as suas queixas quando este se encontrava em Orense e deu então ao legado, por conselho seu, dois clérigos que o acompanhassem a Braga para aí, em presença do cardeal, pedirem contas ao arcebispo João. É claro que João Peculiar impugnou tais pretensões; pois aquelas três dioceses formavam o coração do Portugal daquele tempo, e, se Braga tivesse de as abandonar, perderia a sua posição de metrópole de Portugal. Para remover este dissídio perturbador, Jacinto marcou um dia para negociações em Tuy.
Entretanto, visitava o cardeal outras cidades portuguesas. Sabemos que a 8 de Outubro de 1154 se encontrava em Coimbra, onde foi recebido pelos cónegos de Santa Cruz em procissão solene. No dia 4 de Novembro de 1154 estava em Tibães, perto de Braga, portanto já de regresso para o norte, e aí concedeu ao mosteiro de Santa Cruz novo privilégio. A 10 de Novembro assinou uma carta ou diploma a favor de Refóios Lima, e a 15 de Novembro encontrava-se em Tuy, donde concedeu privilégio ao mencionado mosteiro, que deste forma vinha a ser o quarto mosteiro isento ou de protecção papal. Ocupou-se pois das necessidades das igrejas portuguesas e seguramente não deixou de se pôr em contacto com Afonso Henriques. Então em Tuy teve lugar a negociação entre os arcebispos de Braga e Compostela. Uns bons seis dias se discutiu, apresentando-se mutuamente os privilégios papais e outros documentos, e nada se calando do que podia ser lançado em rosto ao adversário; os bracarenses trouxeram à baila o próprio roubo das relíquias, levado a efeito pelos compostelanos cinquenta anos antes. Jacinto esforçou-se o mais que pode por conseguir um acordo; não queria fazer perigar o êxito do concílio iminente. Mas tudo foi debalde; teve de ordenar aos dois partidos que levassem mais uma vez a julgamento as suas divergências, precisamente ao concílio que havia sido convocado para Valladolid, para Janeiro de 1155. Ambos os arcebispos prometeram aparecer neste concílio.
João Peculiar, porém, faltou ao prometido. Apesar de toda a prudência e de todas as tentativas de conciliação feitas pelo cardeal, bem sabia que nada tinha a esperar dum concílio reunido na presença de Afonso VII de Castela e em que os bispos leoneses e castelhanos formavam enorme maioria. Além disso, Jacinto não tinha podido esconder que João Peculiar teria de se justificar neste congresso por causa das pretensões do primado toletano, o que significava que se pretendia exigir dele, directamente, obediência ao arcebispo de Toledo, motivo bastante, este, para ele evitar o concílio. Apesar da ausência do arcebispo de Braga, foi certamente a mais brilhante reunião eclesiástica que a Espanha vira desde os tempos visigóticos. Felizmente, possuímos numa inquirição de testemunhas do ano 1182 uma descrição parcial do decorrer do concílio e da sua encenação exterior. Na nave da igreja de Santa Maria de Valladolid erguera-se um estrado; lá se encontravam sentados o imperador Afonso VII com seus filhos Sancho e Fernando e vários grandes, demais o cardeal, tendo dum lado o arcebispo de Toledo e do outro o de Compostela». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT