quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Evocação Histórica. Afonso Henriques. Mário Domingues. «A história, porém, é muito escassa de informes acerca do que sucedeu ao conde de Portugal no seu país de origem. Sabe-se que o prenderam. Mas, porquê, ignora-se. Contudo, Henrique pôde evadir-se em 1111 e, regressando à Península…»

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Luta obstinada pela Independência
Os condes Raimundo e Henrique firmam aliança secreta para se apoderarem da herança de Afonso VI
«(…) Se as coisas corressem como os condes de Portugal e da Galiza calculavam, o conde Henrique ficaria dominando a sul toda a fronteira muçulmana, bem como os distritos contíguos da margem direita do Tejo e em boa posição para alongar as suas invasões pelo Al-Gharb e a Andaluzia. Mas, nestas engenhosas combinações em que tudo preveem, os mortais nunca incluem o único elemento certo e inevitáve1: a morte. Raimundo, falecendo no ano seguinte, 1107, transtornou profundamente os planos de Henrique, inutilizando o bem elaborado pacto secreto. Por outro lado, Sancho, o filho querido do monarca, pereceu em luta contra os mouros, junto das muralhas de Uclés, em 1108, o que conferiu automaticamente a D.Urraca os direitos de sucessão ao trono do pai. Afonso VI, com cuja morte todos contavam, só veio a falecer em Toledo, em 1109, inconformado com a falta de Sancho, o seu filho predilecto, que a formosa Zaida lhe dera e em quem ele depositara tantas esperanças. As pedras do xadrez da Espanha cristã, com esta mudança brusca e imprevista, iam dar ensejo a outra movimentação no jogo dos interesses.

Todos os meios, mesmo os condenáveis, serviam ao conde Henrique para se engrandecer
Como a morte de Raimundo desmanchara os bem urdidos planos secretos que tantas vantagens trariam ao conde Henrique, parece que este ainda tentou obter alguma coisa do monarca seu sogro, cujo falecimento se previa para muito breve. Urraca achava-se a um passo do trono. Mal o pai deixasse de existir, Henrique converter-se-ia de seu aliado que fora em simples vassalo. Seria essa situação que o Bolonhês pretenderia evitar. Não o conseguiu, como claramente se depreende do decurso dos acontecimentos. Furioso, abandonou a corte de Toledo, com o sogro ainda vivo. Quase em seguida, o grande monarca falecia, não sem ter tido tempo de declarar única herdeira da coroa sua filha Urraca, viúva do conde Raimundo. Estava aceso o rastilho para a explosão dos conflitos que, naqueles tempos, se sucediam habitualmente à morte de um rei. As ambições latentes erguiam-se em labaredas altas de furiosas lutas entre os que se sentiam ansiosos por desfrutar ou partilhar das delícias do poder supremo. Como de costume, também, o inimigo muçulmano aproveitava o ensejo para tirar partido das dissensões dos cristãos, tal como estes não deixavam de tentar obter vantagens das desavenças entre os maometanos. Assim, os mouros de Sintra, que eram vassalos e tributários do conde Henrique, trataram logo de revoltar-se. Mas o conde, marchando resoluto sobre eles, reduziu-os à obediência e puniu-os com severidade.
Entretanto, ao findar o ano 1109, a rainha D. Urraca, com plena concordância de seus súbditos, tomava posse dos Estados de Leão e Castela, dos quais era vassalo o condado Portucalense. Henrique não suportava a suserania da cunhada. A apetecida independência parecer-lhe-ia agora mais longínqua. Disposto a obtê-la pela força, já que não a lograra pela astúcia, partiu em 1110 para França, no intuito de aliciar homens de armas que o ajudassem a concretizar os seus sonhos. A história, porém, é muito escassa de informes acerca do que sucedeu ao conde de Portugal no seu país de origem. Sabe-se que o prenderam. Mas, porquê, ignora-se. Contudo, Henrique pôde evadir-se em 1111 e, regressando à Península, encaminhou-se para o reino de Aragão. Dois anos antes, em fins de 1109, D. Urraca, cujo temperamento sensual as crónicas nos denunciam, custando-lhe suportar a viuvez, casou em segundas núpcias, apesar da má vontade de alguns fidalgos e do clero, com Afonso I, rei de Aragão. Parece que este fora mais talhado para a guerra do que para o amor.
Brutal por índole, entediavam-no as doçuras do lar. Por seu lado, a rainha depressa verificou que não conseguia subjugar o marido como dominava quase toda a gente. As discórdias particulares dos cônjuges breve se transformaram em conflitos políticos. O clero, que a1iás sempre se declarara contra aquele casamento, obteve que o papa decretasse o divórcio, baseando a nulidade do enlace no parentesco dos esposos em grau proibido. Por seu turno, os fidalgos galegos rebelaram-se contra Afonso I, alegando que a sua autoridade régia era nula, devido a uma disposição testamentária de Afonso VI que estabelecia que, no caso de Urraca contrair segundas núpcias, ficasse reinando na Galiza seu neto Afonso Raimundes. Por esta doutrina estava disposta a bater-se a nobreza galega, chefiada por Pedro Froilaz, conde de Trava». In Mário Domingues, D. Afonso Henriques, Evocação Histórica, edição da L. Romano Torres, Lisboa, 1970.

Cortesia de Romano Torres/JDACT