domingo, 6 de outubro de 2013

Eleonor na Serra de Pascoaes. António Cândido Franco. «… sendo o Beethoven do verso, é o poeta da luz. A sua lira é feita do mesmo ouro que a de Apolo. A luz ri nas suas sátiras, mais belas que as de Juvenal; canta no seu lirismo primaveril e amanhecente…»

Desenho de deliovargas
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«(…) De todas as poesias que precederam a de Pascoaes, o Pascoaes que foi contemporâneo de Lopes Vieira, Corrêa d'Oliveira e João Lúcio, aquela com quem a dele mais dialoga é sem dúvida a de Junqueiro, independentemente do interesse que sempre lhe mereceram as poesias de Antero, de Gomes Leal, de António Nobre, de Cesário Verde, de João de Deus (a quem se referiu nos termos mais elogiosos) e de Eugénio de Castro. Depois da poesia de Camões foi sem dúvida a poesia de Junqueiro a que mais interpelou Pascoaes na nossa língua. Nunca a interpretação da poesia de Pascoaes ficará a caminho de se completar se o intérprete deixar deliberadamente esquecida a poesia de Junqueiro pois muitos dos significados da poesia de Pascoaes só se tornam claros à luz da própria poesia de Junqueiro. Eis o que um dia o poeta disse de Junqueiro e dos seus versos: Teria uns quinze anos, quando li os versos de Junqueiro. Os trechos sentimentais de João de Lemos, Júlio Dinis, Tomás Ribeiro, dissolveram-se, como penumbras mortas, na claridade viva, sinfónica, surpreendente que derrama sobre as almas a poesia junqueireana! Abriu-se, em mim, de súbito, uma janela para a luz. Fiquei, para-sempre, deslumbrado! Guerra Junqueiro, sendo o Beethoven do verso, é o poeta da luz. A sua lira é feita do mesmo ouro que a de Apolo. A luz ri nas suas sátiras, mais belas que as de Juvenal; canta no seu lirismo primaveril e amanhecente…(in A Águia, volume III, 3.ª serie, 1923).
Se na sua primeira fase a poesia de Pascoaes estabeleceu relações privilegiadas com as poesias de Afonso Lopes Vieira, Corrêa d’Oliveira, João Lúcio e também Guerra Junqueiro, cuja poesia será de resto uma constante motivação para Pascoaes tecer nos parágrafos dos seus livros em prosa as mais variadas considerações, na fase logo imediata, que é a da Renascença Portuguesa, a poesia de Pascoaes estabelece um diálogo privilegiado, como dissemos já, com as poesias de Afonso Duarte, Jaime Cortesão, Augusto Casimiro, Mário Beirão e também, pelo menos ao nível do pensamento, com as obras de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Às poesias de Afonso Duarte, Jaime Cortesão, Augusto Casimiro e Mário Beirão dedicou Teixeira de Pascoaes muitas páginas de Os Poetas Lusíadas e de outras obras suas. Quanto à admiração que Pascoaes sentiu pela poesia de Mário Beirão já em outra ocasião e em outro local chamámos a atenção para ela, parecendo-nos indispensável o conhecimento confrontado da poesia de ambos, quer para o conhecimento da poesia de um quer para o conhecimento da poesia do outro. Recordemos apenas que no Santo Agostinho (1945) Pascoaes chegou a cunhar a expressão canto beironeano, para designar a poesia do poeta de Ausente (1915), de tal modo esta lhe aparecia perfeitamente individualizada entre todas.
A Fernando Pessoa escreveu Teixeira de Pascoaes cartas de grande carinho e admiração, como aquela que tem a data de 21 de Outubro de 1912, onde lhe chamou Irmão em Fé e na Esperança e onde diz: o seu espírito chegou pelo raciocínio à verdade a que eu cheguei pelo instinto. De resto uma poesia que mantém íntimas relações com a de Fernando Pessoa, a de Mário Sá-Carneiro (sócio da Renascença Portuguesa e colaborador da revista A Águia como Pessoa), parece ter toçado profundamente Pascoaes que disse dela, quando Álvaro Bordalo, seu editor, lhe perguntou o que pensava do movimento futurista: nesse movimento houve um poeta, um verdadeiro poeta, Mário Sá-Carneiro. Esse, sim, foi um poeta de raíz, porque não era nada estilizado. Sobre as relações de Teixeira de Pascoaes com a obra de Fernando Pessoa tem-se insistido demasiado na incompreensão que Pascoaes votaria à obra de Pessoa, adiantando depois que essa incompatibilidade nada mais seria que o sintoma de uma outra incompatibilidade mais vasta: a da poesia antiga representada por Teixeira de Pascoaes, com a poesia moderna, representada esta por Pessoa, chegando mesmo alguns críticos a dizer apressadamente que podemos encontrar na poesia portuguesa um período poético ante-fernandino, em que a obra de Pessoa não podia ser compreendida, e um período pós-fernandino, em que ela passou a ser entendida.
Esta ideia de incompreensão de Teixeira de Pascoaes pela obra de Fernando- Pessoa, apesar de se ter tornado um dos lugares comuns da crítica, não foi nunca provada e tem contra ela inúmeros factos. A negação que Pascoaes fez, se e quando fez, das obras de Fernando Pessoa deve ser sempre entendida como aquilo a que chamaremos de negação transcendente, negação que se destinava mais (como sempre acontece em Pascoaes, mestre de antíteses) a afirmar que a negar». In António Cândido Franco, Eleonor na Serra de Pascoaes, Edições Átrio, Lisboa, Colecção o Chão do Touro, 1992, ISBN-972-599-042-0.

Cortesia de Átrio/JDACT