quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Ecos de Paris. A moderna presença de Eça de Queirós no Brasil. Adriana Mello Guimarães. «… existência de um país […] que, naturalmente, parece que deveria captar, desde o primeiro momento, todas as atenções e promover entre nós as mais vivas e permanentes curiosidades»

Pormenor do vitral do Teatro Municipal de São Paulo
Cortesia de luiscunhapinheiro e jdact

Eça de Queiroz, cidadão da diáspora e do remover inquietante dos mundos (apanágio de génios e visionários), e escritor tão brasileiro quanto português o é pela pátria que a própria língua extrapola, universal.”

«O papel que Eça de Queirós desempenhou no Brasil foi analisado por vários autores. Primeiramente é curioso observar nessa relação luso-brasileira como, por um lado, ele personificou em muitos estudos o vínculo estrito com a matriz portuguesa, e, por outro lado, como prevaleceu uma inclinação para considerá-lo parte de um património comum. Mas, acima de qualquer controvérsia nesse sentido, não há dúvidas de que sempre causou forte impressão o impacto da obra queirosiana no Brasil. Como explicar esse impacto? Estudos mais recentes demonstram que não foram as narrativas de maior apuro intelectual, mais densas e complexas, como O Mandarim (1880), A Correspondência de Fradique Mendes (1900) e A Cidade e as Serras (1901) que o tornaram, de imediato, num escritor extremamente popular no Brasil, mas exactamente O Primo Basílio (1878), de composição talvez menos apurada e personagens caricaturais, de um estilo linear e carregado de sensualismo, que faz lembrar as mais bem sucedidas telenovelas brasileiras de hoje. O que queremos dizer é que o culto a Eça de Queirós no Brasil foi tão forte que os jovens da belle époque brasileira se reuniam num cenáculo, à maneira da geração portuguesa de 1870.
Não temos dúvida de que a França representava a própria ideia de modernidade tanto para Portugal como para o Brasil. De facto, Eça de Queirós, enquanto diplomata e residente em França (e também na Inglaterra), com os seus textos ficcionais e também jornalísticos, para a Gazeta de Notícias, a Revista de Portugal e para a Revista Moderna, acaba por representar uma ponte entre o Brasil e as metrópoles modernas. Quanto à presença do Brasil no imaginário queirosiano, é evidente, para nós, que ela exprime inteiramente o sentido da observação de Sampaio Bruno, acerca da existência de um país […] que, naturalmente, parece que deveria captar, desde o primeiro momento, todas as atenções e promover entre nós as mais vivas e permanentes curiosidades. Com tanta mais razão quanta a experiência histórico-cultural em comum e, principalmente, em vista do futuro, considerando-se que Eça, no final do século XIX, particularmente em Paris, foi testemunha das profundas transformações culturais empreendidas pela modernização da forma da vida europeia. Certamente, a maneira de ver o Brasil foi complexa e ambígua, mas sempre fecunda, permitindo ainda hoje uma reflexão sobre o sentido da modernização na cultura de língua portuguesa.
Inegável é que, sem conhecer o Brasil, Eça de Queirós ao actuar como correspondente para jornais no Brasil vai procurar fundar na sua experiência pessoal o traço da sua crítica. Assim, é Portugal que está sempre pelo avesso. O Brasil é uma entidade remota, vaga, esparsamente referida. A influência que o escritor exerceu sobre o meio intelectual brasileiro é muito vasta, como enfatiza Lúcia Miguel Pereira: toda a gente, falando ou escrevendo, copiava Eça, sem dar por isso. Não cabe aqui elaborar um inventário de toda a preponderância que o autor atingiu em terras brasileiras. Pretendemos, apenas, recuperar, de forma não exaustiva, alguns testemunhos que nos podem fornecer uma ideia da dimensão colossal que Eça desempenhou como ponte na história cultural luso-brasileira, sendo uma presença constante no imaginário brasílico. Dos autores brasileiros, além das conhecidas biografias elaboradas por Miguel Melo (1911), Viana Moog (1945) e Luís Viana Filho (1983), temos alguns relatos dignos de nota. Em 1902, o então prestigioso crítico José Veríssimo publicou o livro Homens e coisas estrangeiras, no qual descreve com emoção a primeira vez em que partilhou o mesmo espaço físico com Eça de Queirós. O encontro deu-se em Lisboa num sarau literário no Teatro Trindade. Alguns anos mais tarde, os dois escritores encontraram-se em Paris. No entanto, o brasileiro jamais tentou uma aproximação maior: amando-o, não quis jamais conhecê-lo pessoalmente, por essa espécie de pudor indefinível que nos afasta de pessoas admiradas e queridas em silêncio. Para louvar o influxo do carácter moderno e inovador do espírito queirosiano, Veríssimo chegou a afirmar que o Brasil não foi capaz de produzir nenhum naturalista que se lhe compare. Mais próximo do autor de Os Maias, Eduardo Prado escreveu uma homenagem ao amigo Queirós, enquanto este ainda era vivo, publicada na Revista Moderna. Nesta homenagem, Prado enfatiza a imaginação e organização de Eça, traça um perfil das ideias do escritor e revela alguns factos sobre o quotidiano em Paris. Já o poeta Olavo Bilac, que também conviveu com Eça em Paris, publicou na Gazeta de Notícias um texto necrológico de homenagem ao escritor. A convivência entre Bilac e Eça, em 1890, deu origem a uma paródia: em conjunto, os dois escritores elaboraram num serão de Inverno um texto intitulado Inês de Castro (um tema português que está presente até hoje no imaginário brasileiro). Segundo a filha de Eça, Maria d’Eça de Queiroz (e reproduzidas por Heitor Lyra n’O Brasil na obra de Eça de Queiroz), da brincadeira também participaram a cunhada (Benedita Pamplona) e a mulher (Maria Emília) do escritor lusitano». In Adriana Mello Guimarães, Ecos de Paris: A moderna presença de Eça de Queirós no Brasil, Universidade de Évora, Escola Superior de Educação de Portalegre, LusoSofia press, A Belle Époque Brasileira, CLEPUL, Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-8577-15-3.

Cortesia de CLEPUL/JDACT