domingo, 20 de outubro de 2013

Dona Teresa. A Primeira Rainha de Portugal. Prefácio de G. Oliveira Martins. Marsilio Cassotti. «A eleita seria a bisavó da bisavó de “Teresa de Portugal”. Chamava-se Adosinda Guterres; a mãe, Aldonsa Mendes, era filha do conde Hermenegildo Guterres, conquistador de Coimbra»

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As Antepassadas Portucalenses (783-1014)
«(…) Aragonta acabou, pois, por casar com o tio em finais de 922. Mas alguma coisa deve ter acontecido entre marido e mulher, porque no início de 923 Ordoño II decidiu repudiá-la, aduzindo o seu parentesco próximo, desculpa que costumava ser alegada naqueles tempos quando um monarca desejava contrair novas núpcias. Na prática, a Igreja ainda não tinha alcançado o poder de impedir tais comportamentos. Já no século IV, tinha sido proibida até ao sétimo grau a consanguinidade dos matrimónios, incluindo a realeza, mas agora, na Península, isso só parecia ser preocupação de alguns abades, um dos quais denunciaria que esse tipo de uniões estava condenado no Antigo Testamento, nos profetas, nos apóstolos e nos Santos Padres, mas ninguém parecia dar-lhe ouvidos. Depois do repúdio, Aragonta acabou num mosteiro fundado por ela perto de Tuy, onde a família da mãe tinha propriedades. É muito possível que Teresa de Portugal também se baseasse nesses precedentes, quando, em 1120 cruzou o Minho e reivindicou certos direitos a essas terras galegas. Curiosamente, dois primos direitos de Aragonta Gonçalves acabariam por atravessar o Minho no sentido inverso. Um para professar no mosteiro de Guimarães, fundado pela tua, a condessa Mumadona, e outro no mosteiro de Arouca. Naquela altura, o rio não devia constituir nenhum muro divisório entre as aristocracias que viviam de um ou outro lado; de facto, estavam tão estreitamente aparentadas que muitos historiadores espanhóis se referem a elas como se de um mesmo grupo social se tratasse, denominando-as nobreza galaico-portuguesa.
Conta-se que, tendo-se arrependido Ordoño da separação de Aragonta, quis voltar para ela. Mas desta vez a esposa repudiada disse que não. E nem mesmo um rei podia tirar uma freira do convento sem incorrer num sério problema com as autoridades eclesiásticas. Ordoño acabou por se convencer, e em breve casou de novo, pela terceira vez. Fê-lo antes de concluído o ano de 923, com a infanta Urraca, irmã do rei de Navarra, o que leva a pensar que o verdadeiro motivo do repúdio de Aragonta fosse político. O seu matrimónio com Urraca procuraria dar segurança ao flanco oriental do seu reino, limítrofe com o navarro do irmão da sua nova mulher, que tinha a capital em Pamplona e que dominava uma ampla zona dos Pirenéus, de indubitável valor estratégico, uma vez que controlava os passos de França. Uma necessidade política semelhante tinha obrigado o pai de Ordoño a casar com uma infanta navarra. O matrimónio dele com alguém da mesma linhagem causaria no reino de Leão a reafirmação do direito navarro, derivado das antigas tradições vascas, quanto às leis sobre a herança. Este reconhecia a legitimidade das filhas a herdar da mesma forma que os varões. Quando eram primogénitas, herdavam a propriedade. Na linhagem real herdavam a coroa, mas só como transmissoras dos direitos para os seus filhos varões. Leis parecidas tinham tido os cantábricos e asturianos que forjaram a primeira monarquia asturiana, um cúmulo de tradições que influenciariam notavelmente o matrimónio de Teresa com o conde Henrique de Borgonha.
Morto Ordoño II de Leão em 924, Ramiro colaborou com o irmão mais velho, já coroado rei de Leão, na tarefa de domar as aspirações de uns primos pretendentes ao trono. O segundo dos seus irmãos assumiu a responsabilidade do reino da Galiza. Ramiro, também com carácter régio, governou a zona entre o Minho e o Mondego, para o que estabeleceu a capital em Viseu. Nesse mesmo ano casou mas, por ironia do destino, não o fez com a filha da condessa Mumadona, como ela talvez teria esperado, mas antes com outra prima de Aragonta Gonçalves, a rainha viúva que então vivia recolhida no seu convento. A eleita seria a bisavó da bisavó de Teresa de Portugal. Chamava-se Adosinda Guterres; a mãe, Aldonsa Mendes, era filha do conde Hermenegildo Guterres, conquistador de Coimbra, e portanto irmã da falecida rainha Elvira Mendes, pelo que Adosinda e Ramiro eram primos direitos. Também desta vez não se deu importância ao problema da consanguinidade existente entre os cônjuges. Na escolha pesaria, além do mais, quase de certeza, a importância das relações familiares dela. Ramiro esperava contar com o apoio que a nobreza do sul do Minho tinha oferecido tradicionalmente aos candidatos ao trono de Leão. Pouco tempo depois de casar, Adosinda deu-lhe um filho varão». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT