quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Biblioteca Histórica. O 31 de Janeiro de 1891. A Revolução Portuguesa. Jorge D’Abreu. «Nunca na igreja senti um calafrio assim. Perdi a cabeça então, como os outros todos. Todos a perdemos. Atirámos então as barretinas ao ar. Gritámos então todos: - Viva! Viva, viva a República!»


Cortesia de wikipedia

Palavras de um soldado
… Ao presidente do tribunal de guerra, no acto do julgamento: Eu, meu senhor, não sei o que é a República, mas não pode deixar de ser uma cousa santa. Nunca na igreja senti um calafrio assim. Perdi a cabeça então, como os outros todos. Todos a perdemos. Atirámos então as barretinas ao ar. Gritámos então todos: - Viva! Viva, viva a República! Do Manifesto dos Emigrados da Revolução do Porto de 31 de Janeiro de 1891.

O 31 de Janeiro (Porto, 1891)
«O movimento de 31 de Janeiro filia-se no ultimatum de 1890. A revolta militar de 31 de Janeiro de 1891 caracterizou-se pela precipitação com que foi decidida e a pouca ou nenhuma reserva com que foi organizada. Durante meses uma parte do país teve conhecimento quase minucioso de que se conspirava contra a monarquia e que na conspiração entravam elementos de importância recrutados na oficialidade dos regimentos que a guarneciam. No entanto a explosão patriótica, que na madrugada de 31 fez triunfar por algumas horas a bandeira verde e vermelha, surpreendeu muita gente porque apenas uma insignificante minoria não julgava extemporâneo o rebentar da bomba. A causa única do movimento podemo-la filiar no ultimatum de 1890. Por espaço de um ano, a agitação popular, que essa chicotada diplomática provocara nos primeiros instantes agitação que, no dizer de João Chagas, trouxera pela primeira vez para a rua, a manifestarem-se, homens graves e de chapéu alto, por espaço de um ano, repetimos, essa agitação minou profundamente diversas camadas sociais e fez aumentar por uma forma extraordinária o descontentamento da nação, a sua hostilidade contra o regime monárquico e o soberano. Viu-se claramente, nesse momento grave da vida portuguesa, que, ao substituir-se o ministério abatido pelo ultimatum, o novo governo procurara antes de mais nada deitar uma escora ao trono, desprezando em absoluto as reclamações do povo, a sua grita sedenta de justiça.
Calcara-se a pátria para sustentar no poder o monarca brigantino. A dignidade da nação, o seu anseio fervoroso de que o ultimatum obrigasse a politica governativa a mudar de processos, a trabalhar com seriedade, uma e outro foram espezinhados pelo empenho dos áulicos da monarquia em precavê-la da marcha progressiva das ideias democráticas. Dai o êxodo para o partido republicano de muitos dos homens que até então tinham tentado servir os partidos monárquicos com boa-fé e dedicação. Na medida do possível esse período da história contemporânea, cujos incidentes, voltamos a afirmá-lo, fizeram germinar o pensamento da revolta e contribuíram directamente para que ela rebentasse no Porto no dia 31 de janeiro de 1891. Por agora limitaremos o nosso papel de modesto e desataviado cronista da Revolução Portuguesa a descrever o que ocorreu em Lisboa mal se soube da momentânea vitória das armas republicanas. É interessante recordar as horas de mortífera espectativa que a capital sofreu, enquanto a várias léguas de distância um troço de valentes se fazia massacrar pela chamada guarda pretoriana.
Nas vésperas da revolta, os jornais de Lisboa ainda reflectiam quase toda a indignação e a celeuma causadas pelo ultimatum. A poucas horas de ser iniciado o movimento, os Pontos nos ii inseriam uma página faiscante de Bordallo Pinheiro, intitulada A maldita questão ingleza. As perseguições a diferentes oficiais do exército sucediam-se com uma pertinácia feroz. No dia 30 de Janeiro, um jornal, aludindo à que fora movida ao alferes de caçadores 9, aquartelado no Porto, Simões Trindade, salientava o facto curioso desse oficial ter sido, em 27 daquele mês, mandado apresentar imediatamente no quartel-general da respectiva divisão; depois, dai, mandado seguir, imediatamente, para o ministério da guerra; daqui apresentado imediatamente no quartel-general da 1.ª divisão, onde tinham acabado por lhe dar uma guia afim de se apresentar, imediatamente também, no regimento de infantaria 24, aquartelado em Pinhel. Os jornais do Porto, confirmando esse furor persecutório, acrescentavam que a violência das autoridades militares incidia especialmente sobre os oficiais inferiores. Surgiu a manhã de 31 e com ela principiaram a circular em Lisboa os boatos alarmantes. Um deles, talvez o primeiro e o que mais consistência adquiriu desde logo no espírito do público, dizia: - No Porto, às seis horas, os regimentos de caçadores 9 e infantaria 10 e parte de infantaria 18, saindo dos quartéis, dirigiram-se à praça da Regeneração, soltando vivas à Republica. O movimento tende a alastrar-se. A guarda municipal quis opôr-se-lhe; mas, depois duma descarga dada por caçadores 9, e da qual morreram 12 soldados daquela guarda, os outros aderiram aos revoltosos. A seguir, correu que a primeira autoridade militar do Porto pedira de madrugada reforço à guarda pretoriana, mas que ela se recusara peremptoriamente a combater as tropas sublevadas. Dizia-se também que toda a guarnição se solidarizara com os insurrectos». In Jorge D’Abreu, O 31 de Janeiro de 1891, Porto, Biblioteca Histórica, A Revolução Portuguesa, Edição da Casa Alfredo David (encadernador), Lisboa, 1912.


Cortesia de Casa Alfredo David/JDACT