domingo, 8 de setembro de 2013

Festas que se fizeram pelo Casamento do rei Afonso VI. Ângela Barreto Xavier, Pedro Cardim, Fernando Bouza Álvarez. «E tal como acontece nos artificiosos fogos de festas, também os grandes espectáculos de corte se esgotavam em si mesmos, perante uma realidade que tinha sido planeada como faustosa mas efémera»

Fogo de artifício, 1666. jdact

«… tudo era novo, tudo era belo; os olhos não se lhe fixavam em coisa alguma mais de um segundo». In Andrade Corvo

Amor Parat Regna. Memória visual dos afectos na política barroca
«Como se tivessem retido algo da luminosa suavidade do fogo, o mais belo dos elementos pela leveza da sua matéria, subtilmente agitada, as duas cenas de pirotecnia que figuram no álbum das Festas que se fìzerão pelo Cazamento del Rey D. Âffonso VI, em 1666 parecem sintetizar o espírito desses grandes espectáculos visuais nos quais as grandes cortes do Barroco procuravam ver-se a si mesmas, reconhecendo-se, ordenadas e brilhantes, numa ardente agitação. E tal como acontece nos artificiosos fogos de festas, também os grandes espectáculos de corte se esgotavam em si mesmos, no regozijo perante uma realidade que, com toda a ordem e previsão, tinha sido planeada como faustosa mas efémera.
É sabido que os arcos, máquinas, estrados, palanques e demais invenções que marcavam o percurso desta e de outras muitas apoteoses monárquicas da Europa seiscentista tinham sido fabricadas para não durar muito tempo. A sua frágil arquitectura de madeira era tão provisória como os papelões pintados que cobriam as suas superfícies e sobre os quais, muitas vezes com mais do que audácia na cor, haviam sido traçados complexos emblemas que falavam de amor, concórdia, paz, liberalidade ou harmonia.
Durante muito tempo, estes fastos foram considerados pouco mais do que devaneios decorativos nascidos da imaginação delirante e fátua própria da época, quando não eram condenados como lamentáveis exemplos da decadência insuportável em que haviam caído as monarquias da Idade Clássica. Pompa insolente e luxo asiático são os duros termos que lhes reserva, por exemplo, Madame Roland nas suas Mémoires.
Actualmente, estes grandes espectáculos cortesãos, como a etiqueta ou o cerimonial palaciano e os diversos rituais monárquicos, são estudados como expressões de uma particular cultura política de cujas insofismáveis implicações constitucionais não parece haver dúvidas. No entanto, apesar de já, estarem longe os tempos em que tais eventos eram encarados como meras pompas insolentes, ainda hoje pode parecer estranho que a suposta expressão dos valores constitutivos de uma sociedade política fosse confiada a espectáculos de frágeis arquitecturas, papelões pintados e fogos de artifício. Que comunidade recorreria, em suma, a um meio tão pouco duradouro como este para proclamar a celebração que de si mesma fazia?
Encontrar uma resposta adequada para esta pergunta implica saber responder a ouras três questões prévias: primeiro, a do papel das festas e dos espectáculos na declaração da relação que existia entre um rei e o seu reino; em segundo lugar, a do novo sentido que o efémero visual acabou por adquirir ao longo da Idade Moderna; e por último, a da sábia rentabilidade propagandística que se obteve das imagens postas ao serviço do poder real.

Em cena. A majestade como gesto e o rei como actor
Depois de haver visitado a corte romana, tal como indicavam os cânones desse tour meridional que devia realizar todo e qualquer jovem filho da nobreza, Leopold von Weissenburg deslocou-se a Viena, uma corte que não era menos faustosa que a dos pontífices nos tempos do imperador Leopoldo I. Numa das suas cartas ao cardeal Savo Millini, em Dezembro de 1697, o viajante dá conta das suas actidades, entre as quais se destaca a assistência aos espectáculos da corte imperial.
Ao terminar o século XVII já não era extraordinário ver dançar em Viena um futuro imperador, tal como também não o fora constatar que o rei cristianíssimo de França tomava parte no carrousel de um torneio em Paris, que o monarca católico de Espanha saía mascarado num domingo de Carnaval em Madrid, ou que os diplomatas acreditados na corte londrina pugnavam para ver actuar o rei Carlos I de Inglaterra em mascaradas e noutros acontecimentos teatrais». In Ângela Barreto Xavier, Pedro Cardim, Fernando Bouza Álvarez, Festas que se fizeram pelo Casamento do rei Afonso VI, Quetzal Editores, Lisboa, 1996, ISBN 972-564-268-6.

Cortesia de Quetzal/JDACT