segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Dúvidas e Certezas na História dos Descobrimentos Portugueses. Luís de Albuquerque. «Baste-nos por agora considerar que cerca de 1483 Colombo se oferecera a João II para descobrir a Índia pelo Ocidente […]; e que o monarca encarregou um dos seus astrónomos de observar as latitudes do Sol ao meio-dia…»

jdact e cortesia de wikipedia

Ainda o Segredo de Estado
«(…) A cultura do infante era a de um homem piedoso do seu tempo; e a sua acção pautava-se por ideais cavaleirescos e religiosos, que tinham bem pouco a ver com uma cultura vasta e empenhada. Supô-lo embrenhado em complicadas leituras é desvirtuá-lo, e também esquecer (ou conhecer mal) a que se limitavam os estudos correntes do seu tempo. As navegações vieram, com os anos, a mostrar uma outra utilidade da Astronomia, o infante só teve nisso interferência na medida em que impulsionou navegações; pode-se creditar-lhe sem rebuço essa glória.
Não vou continuar esta análise com os pretensos erros em que o maquiavélico João II fez cair o genovês Critóvão Colombo, quanto ao valor do grau terrestre e quanto à aproximação dos continentes asiático e europeu, quando a distância fosse medida para teste do segundo. Limitar-me-ei a comentar o seguinte trecho em que Jaime Cortesão analisa uma frase latina atribuída a Colombo e referente à observação de latitudes pelo Sol feitas por José Vizinho na Guiné: Os cálculos de latitude mencionados nesta nota estão ambos errados por carência. Baste-nos por agora considerar que cerca de 1483 Colombo se oferecera a João II para descobrir a Índia pelo Ocidente […]; e que o monarca encarregou nesse ou no ano seguinte, um dos seus astrónomos de observar as latitudes do Sol ao meio-dia, o que [...] exige o estudo anterior do processo respectivo e, como consequência, a averiguação do valor do grau terrestre.
Comentários: l.º - Há, na verdade, erros nas latitudes indicadas, mas normais para um primeiro ensaio prático da observação da coordenada; pensar José Vizinho como mistificador às ordens do Príncipe Perfeito parece-me abusivo. 2.º - Não houve necessidade de um estudo deste processo de determinação de latitudes' porque estava exposto em vários liuros antigos, desde o Tratado do Astrolábio de Messahala, século IX, até aos Libros del Saber de Astronomia, século XIII. 3.º - A averiguação do comprimento de 1º de meridiano terrestre não é suporte indispensável à determinação de latitudes, antes o contrário. E já John Hollywood o intuiu na segunda metade do século XIII!

Mais umas notas dispersas, mas talvez necessárias; a) fala-se sempre do astrolábio de três palmos de diâmetro que Vasco da Gama mandou montar em terra na baía de Santa Helena para medir a latitude; mas esquece-se muitas vezes de acrescentar que no mesmo passo de João de Barros se diz que os pilotos usavam a bordo pequenos astrolábios metálicos; se Gama desconfiava dos resultados através dos últimos, como se dá a entender, talvez o fizesse por não ter prática de pilotagem; b) na carta de Henricus Martellus é arbitrária qualquer leitura de latitudes, pois não está nela desenhada uma escala dessas coordenadas; c) a suposição de que o primeiro manuscrito do guia náutico dito de Munique data de 1483, inferiu a Fontoura Costa de uma análise das tábuas solares nele contidas; d) juntar o Príncipe Perfeito, Bartolomeu Dias e José Vizinho para, numa acção concertada, enganarem Colombo, parece-me apenas um razoável tema para um bom livro policial; e) quanto à escola científica de navegação por alturas dos astros, fundada por João II, tem tanto de verdade como a escola de Sagres; se assim não é, que os sigilistas nos digam os dados que provam a sua existência.
Por último: se me servir de palavras de Jaime Cortesão, talvez me seja lícito concluir que o segredo de estado funcionou ao contrário. Transcrevi atrás uma sua frase que repito agora [...] quanto mais secretas [refere-se às cartas] mais foram objecto de curiosidade interessada de estranhos. E o que se diz das cartas pode-se dizer com certeza do restante. Será que a estreita política de sigilo, teve assim o efeito de levar as conquistas náuticas portuguesas a um mais rápido conhecimento de todos? Estranho sigilo, então!» In Luís de Albuquerque, Dúvidas e Certezas na História dos Descobrimentos Portugueses, Colecção Documenta Histórica, Vega, Lisboa, 1990, ISBN-972-699-258-3.

Cortesia de Vega/JDACT