sábado, 17 de agosto de 2013

Monarcas Infelizes Carlos I Inglaterra. «Junto a essa acesa questão havia ainda outros litígios, como o financeiro e o eterno problema religioso, que dividia como antagonistas irreconciliáveis, o monarca e os parlamentares»

Cortesia de wikipedia e jdact

Neto de Maria Stuart. Decapitado pelo Parlamento inglês
«(…) Após esse golpe de abuso do poder real, Carlos I, adepto convicto do absolutismo, desfere novo e mais violento ataque contra o parlamentarismo, mandando fechar a Câmara dos Comuns, que o incomodava com os seus discursos, as suas críticas, os seus destemidos oradores. Os campeões da Liberdade, receosos do rumo inconveniente que a política inglesa tomava, agitam-se num mal-estar crescente. É então que surge um intrépido defensor do Direito Comum, Eduardo Coke, o qual, correndo embora perigos, não se cansa de combater incessantemente o despotismo real. As liberdades nacionais tinham sido gravemente ofendidas pela criação de tribunais especiais em substituição dos tribunais de Direito comuns.
Na essência, o conflito, diz-nos Macaulay Trevelyan, consistia no seguinte. Jaime I e Carlos I, de acordo com os adeptos do Direito romano, sustentavam que a vontade do príncipe era a origem da lei, e que os juízes não passavam de leões nos degraus do trono, obrigados a pronunciarem-se segundo as ordens dele emanadas. Ao contrário, Coke, seguindo o espírito do Direito comum inglês, concebia a lei com existência autónoma, superior tanto aos súbditos como ao soberano, e norma de julgamento imparcial entre um e outro. As leis só poderiam ser alteradas pelo Supremo Tribunal do Parlamento. Os tribunais especiais com a recepção do Direito romano e formas processuais arbitrárias pertenciam a uma civilização estrangeira, pensava aquele jurista.

Junto a essa acesa questão havia ainda outros litígios, como o financeiro e o eterno problema religioso, que dividia como antagonistas irreconciliáveis, o monarca e os parlamentares. Carlos I, contudo, impassível e atendendo apenas à sua vontade soberana, inicia o período de pura autocracia. Como principal colaborador na governação, tinha o arcebispo Land, que, desde logo, imprimiu ao governo um carácter eclesiástico e que, de resto, veio a ser vítima da sua própria política, visto a furiosa reacção que lhe ofereceu o puritanismo. Apareceram tribunais religiosos a interferir na vida civil, com as consequentes perseguições. As esperanças das massas populares estavam sendo vivamente contrariadas. Simultaneamente, a rainha Henriqueta-Maria alimentava a arrogância dos católicos, que não perdiam o ensejo de ferir os sentimentos religiosos dos puritanos.
No meio deste cenário em desordem, o monarca, sonhando com a unidade religiosa (de que o país cada vez mais se distanciava!) com a unidade política e social anglicana, e com o poder absoluto, triângulo em que pretendia apoiar o seu reinado!, permitia todas as perseguições e execuções que ao arcebispo-ministro se afiguravam essenciais. Coleccionador apaixonado de quadros de arte e de manuscritos iluminados, arqueólogo e musicista apreciável, protector do genial Van Dick e tendo, sobre todas essas tendências de certa maneira absorventes, o mais soberano desprezo pela opinião pública e pela representação popular, este homem impermeável ao exterior, este escocês pouco maleável, que não se amoldava às circunstâncias, antes as desafiava altivamente, não era, decerto, o rei capaz de conduzir a bom caminho um povo que nessa época era feroz, avaro, indócil, aferrado às tradições, mergulhado em controvérsias religiosas e que já tinha enraizado na alma o capitoso gosto da liberdade.
Autêntico aristocrata, contemplativo, indiferente, frio, um pouco triste, apaixonado pelos valores espirituais, não poderia ele lutar, com êxito, contra organizações resolutas como os terríveis Cabeças Redondas, que consubstanciavam a alma do povo e os seus mais fortes anseios. Com a queda trágica do Primaz Land, o Rei-Mártir entregou-se nas mãos de Tomás Wentwort, depois conde de Strafford, mais esclarecido do que aquele, do ponto de vista político, talvez mais arguto, mas que ascendeu ao poder demasiado tarde para conseguir salvar o soberano da guerra civil; sempre fatal aos Stuarts. Wentwort, como Land fizera, não se poupava a esforços para manter as prerrogativas reais e fortalecer a coroa.
Por essas alturas, já os escoceses se tinham revoltado pegando em armas contra o poder, e os ingleses reconheciam que o descontentamento no país lavrava de forma geral. Do outro lado, os irlandeses mostravam-se também descontentes com a política de desnacionalização e de espoliação a que, sub-repticiamente, estavam tentando levar as suas terras». In Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria Clássica Editora, colecção 10, Lisboa, s/d.

Cortesia de Livraria Clássica Editora/JDACT