sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Maria Madalena nos Textos Apócrifos e nas seitas Gnósticas. Wilma Steagall Tommaso. «… em que uma pecadora anónima unge os pés de Jesus na casa de Simão, o fariseu, e é perdoada por Ele. A proximidade desses factos favoreceu a associação das duas mulheres, ou seja, Maria Madalena e a pecadora anónima»

Cortesia de wikipedia

«Resumo. Maria Madalena, que serviu e seguiu Jesus de Nazaré, é a mulher mais citada nos Evangelhos Canónicos. A sua participação nos Evangelhos deu margem a que ela se tornasse um personagem híbrido, composto de mais duas mulheres. Esses factos e os textos apócrifos onde ela aparece como a portadora do conhecimento, gnose, a companheira de Jesus, e outros atributos que causavam ciúme nos outros apóstolos, foram importantes para desenvolver a base do gnosticismo. Essa seita expandiu-se com muita intensidade e diversidade nos primeiros séculos do cristianismo. A Igreja combateu de forma rigorosa os gnósticos, que ela considerava hereges. É no meio de um embate como esse, que teve o seu fim no século IV, que Maria Madalena ainda hoje permite as mais diversas construções literárias.

Introdução
Maria Madalena impõe-se ao tempo. Dentre os que conviveram com Jesus Cristo, homens e mulheres, é essa mulher desconhecida, porém discutida e construída através do tempo, que ainda desperta a curiosidade e a fascinação por sua vida, muitas vezes associada à intimidade do homem que foi Deus aqui na Terra. No recente e polémico romance O Código Da Vinci, por exemplo, embora não apresente nenhuma novidade, Maria Madalena aparece como companheira de Jesus e mãe de uma suposta filha que teria dado início a uma sagrada linhagem. Mas de onde teriam vindo essas informações que o autor Dan Brown insiste em revelar como verdadeiras? Segundo Brown, trata-se de um romance baseado em factos reais, que foram ocultados pela Igreja. Aí estaria implícita uma resposta. Seria a Igreja Católica a responsável por esconder dos seus fiéis que Jesus casara com Maria Madalena e constituiu com ela uma família? Por que, então, os Evangelhos Canónicos não revelam esse importante evento? Isso estaria relacionado com toda a polémica de a Igreja ser ainda hoje uma instituição cuja direcção está há dois mil anos sob o jugo do poder masculino. Deixando o problema de género de lado e pesquisando Maria Madalena, encontramos algumas respostas que podem esclarecer quem foi realmente essa mulher. Todas as Marias que aparecem nos Evangelhos são reconhecidas por suas famílias:
  • Maria mãe de Jesus;
  • Maria de Cléofas;
  • Maria irmã de Marta e de Lázaro;
  • E Maria de Magdala?
Madalena não é sobrenome, provinha de el-Mejdel, que era uma cidade a noroeste do lago da Galileia, seis quilómetros ao norte de Tiberíades, lugar onde Madalena pode ter nascido. Pesquisou-se muito essa cidade porque, ao conhecê-la melhor, poder-se-ia, talvez, ter mais referências sobre Maria Madalena.

Quem é Maria Madalena
El-Mejdel ou Migdal foi um centro importante de comércio na sua época, uma rota internacional onde pessoas com religiões e costumes diferentes se encontravam no mercado. Uma cidade próspera onde era realizado o comércio de peixe salgado, tecido tingido e diversos produtos agrícolas. Foi para os padrões da época uma cidade tolerante, na qual conviviam as culturas judaica e helénica. Em 75 d.C., foi destruída por causa da infâmia e da conduta licenciosa dos seus habitantes, facto que pode ter contribuído para alterar o nome e a reputação de Maria Madalena. Ainda hoje há um letreiro oxidado, próximo ao lago, que informa ao turista que Magdala ou Migdal foi uma cidade próspera ao final do período do Segundo Templo e foi também a cidade de Maria Madalena, a qual seguiu e serviu a Jesus.
O nome Madalena deriva, pois, do lugar de origem, a cidade de Magdala, do hebraico migdal e do aramaico magadala, que significa torre. Do alto da torre, Maria Madalena viu longe, com a acuidade de visão que se já se constatou e serviu-lhe para escrutar o sepulcro vazio. Ela tinha olhos para ver o que os outros homens e mulheres, confusos, não viam. Maria Madalena, pode-se dizer, era de origem judaica, mas não foi definida como outras mulheres dos Evangelhos Canónicos, ou seja, pela família, mas por sua cidade de origem. O facto que intriga, e que talvez tenha gerado ao longo desses dois milénios de cristianismo tantas hipóteses e construções fantasiosas sobre Maria Madalena, é que ela não aparece como filha, esposa ou irmã de nenhum homem. Essa independência feminina numa sociedade dominada por homens tem intrigado muitos pesquisadores.
É no Evangelho de Lucas que Maria Madalena aparece como a mulher que seguia Jesus e de quem são expulsos sete espíritos malignos. Há um aspecto interessante nessa passagem, pois não é um demónio, nem uma legião de demónios que são expulsos, porém sete: Sete é o número da salvação e do que é divino. São também sete os pecados capitais: gula, luxúria, ira, orgulho, vaidade, preguiça e inveja. Se fizermos uma associação dos sete demónios expulsos por Jesus de Maria Madalena e dos sete pecados capitais, pode-se dizer que o que houve foi uma total libertação dessa mulher; aconteceu a sua salvação integral, uma metanóia, não apenas uma conversão. Pecado e possessão demoníaca eram coisas diferentes. Naquela época, a possessão demoníaca era entendida essencialmente como uma enfermidade, não acentuava os aspectos morais, não era considerada como um pecado. Numa interpretação mais literal, pode-se dizer que aconteceu, naquele momento da expulsão dos sete demónios, não um simples arrependimento dos pecados, mas a imersão numa vida autêntica e redimida; Maria Madalena emergiu de uma vida de escravidão para uma libertação.
Mas por que se associa Maria Madalena sempre a uma pecadora arrependida e não a uma mulher que foi reconciliada? Pois a Maria Madalena histórica, aquela que está nos quatro Evangelhos Canónicos, é testemunha do sacrifício, morte e Ressurreição de Jesus; mulher que seguiu como discípula e serviu a Jesus de Nazaré. Há exegetas que fazem essa associação, Maria Madalena/pecadora arrependida, porque há um relato anterior ao episódio da expulsão dos demónios, em que uma pecadora anónima unge os pés de Jesus na casa de Simão, o fariseu, e é perdoada por Ele. A proximidade desses factos favoreceu a associação das duas mulheres, ou seja, Maria Madalena e a pecadora anónima. Como há, no Evangelho de João, a unção de Betânia, e nele é Maria, irmã de Marta e de Lázaro, que unge Jesus, as três mulheres tornaram-se apenas uma: Maria Madalena».

In Wilma Steagall Tommaso, Maria Madalena nos Textos Apócrifos e nas seitas Gnósticas, Revista Último Andar nº 14, Junho, 2006.

Cortesia de Revista/JDACT