quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Estâncias Reunidas. Poesia. António Cândido Franco. «Novembro é a tarde do ano. A tarde é o Oeste do dia. Uma província carregada de sal a que se chega por um desvio. A memória é tudo isso. A memória é tudo isso. A memória é a tarde do corpo»

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A morte iniciática abre a alma do iniciando para um lembrar-se do que estava esquecido«. In Eudoro de Sousa, Mitologia

Estâncias
O firmamento é barro enlameado
cheio de lava.
Crescem por lá raízes
brancas e tenras.
O firmamento tem a medida da terra.
A geometria mesma das florestas.
Copas densas.
Sombras frias.
Humidade astral.
Agulhas de pinheiros celestes
pingando uma resina transparente.
A terra cria de dia.
O céu recria de noite.
É uma matriz.
Cada estrela é um grão que deposita.
Um astro é a imagem de uma semente.
Abrem-se no céu pétalas de carne.
Pertence aos astros a luz carnal
e às flores a carne luminosa.
Estrelas feitas de carne
fazendo do céu terra escura.
Flores de luz irradiando energia
e transformando a terra numa estrela.
O céu é um chão material
com sementes a germinar.
Está lá a substância vegetal
leitosa e lenhosa
que nos vasos das raízes
desce e sobe.
O céu é uma lama
plasticizando a luz.
Os caules rebentam
e engrossam.
Coágulos vivos de luz
palpitando no útero do céu.
Astros como flores de tradição urânica
flores e folhas brilhando incorpóreas
antes da origem de tudo.
Arcano da terra no céu.
Raiz do dia
no abismo abstracto e frio
da noite.
O céu é uma terra anal
defecando oiro.
Tem dentro de si o oceano mineral
que convulso corre nas nuvens.
O céu é a terra inicial
o primeiro castanho
resultando da combustão da luz.
[…]

Parte do poema de António Cândido Franco, in ‘Estâncias Reunidas

In António Cândido Franco, Estâncias Reunidas, 1977-2002, Quasi edições, biblioteca Finita Melancolia, Vila Nova de Famalicão, 2002, ISBN 972-8632-64-9.

Cortesia de Quasi/JDACT