terça-feira, 6 de agosto de 2013

As Navegações Atlânticas no Século XV. Manuel Fernandes Costa. «O rei de Portugal despachou para Valhadolid, em Abril, Rui Sousa, a comunicar a decisão de casar com D. Joana e, em seu nome, reclamar a coroa de Castela. (…) os nobres portugueses hostis à guerra com Castela, e que se serviriam da infanta D. Beatriz, sua tia, como intermediária»

Cortesia de wikipedia

O conflito luso-castelhano
«(…) Sabe-se, pelo cronista Palencia, que uma embaixada dirigida pelo bispo de Lisboa, Jorge da Costa, chegou em 1468 a Ocaña a solicitar a mão de D. Isabel para Afonso V e também da sua enérgica recusa. Henrique IV chegou a solicitar do papa dispensa papal para este casamento consanguíneo, concedida em 23 de Junho de 1469, e decerto o casamento ter-se-ia realizado, não obstante a recusa da princesa, se fosse, de facto, esse o firme desejo português. Entretanto, outros problemas se levantavam na Corte portuguesa, que não se mostrava muito entusiasmada em entrar no jogo político de Aragão e Castela. Da parte de Luís XI, a aliança de Aragão, Borgonha e Inglaterra levou-o a procurar a ajuda dos castelhanos, propondo o casamento de Isabel com o seu irmão Carlos, duque de Guiena. Henrique IV, porque já notara o desinteresse português, favorecia este enlace matrimonial, que tinha o inconveniente de o incompatibilizar com Aragão.
Há que notar que o papa Paulo II também se mostrou desfavorável ao casamento de Fernando com Isabel, chegando a negar a dispensa de parentesco. Mesmo assim, em 1469, celebrou-se, secretamente, o casamento de Fernando com Isabel, em Valhadolid, o que levou Henrique IV a reconhecer Joana como sua herdeira. O deserdamento de Isabel teve lugar em 26 de Outubro de 1470 com motivo no pouco acatamento e menos obediência que mostrou em casar-se por sua própria autoridade sem o seu acordo e licença, quebrando o pactuado em Guisando. Ao mesmo tempo, com a rainha, jurou que Joana era filha legítima e natural e, portanto, sua herdeira.

Os pretendentes Fernando de Aragão e Isabel de Castela
O ano de 1470 é desfavorável às pretensões dos futuros Reis Católicos. Perderam Valhadolid, viram sequestradas as rendas de Medina del Campo, Portugal hostilizava-os, restaurava-se em Inglaterra a Rosa Branca e Paulo II dispensava os nobres do juramento de obediência que haviam prestado a Isabel como herdeira de Castela. Roma tinha novo papa desde 1471, Sisto IV, de origem genovesa, que era mais favorável a Aragão do que à França. Na Corte pontifícia era o aragonês Rodrigo Borja, arcebispo de Valência, a personagem mais influente. Ao vir à Península, Rodrigo Borja, celebrou conversações com Carrillo e o almirante Henriquez, representantes de Fernando e Isabel, e Pacheco e o futuro cardeal Mendoza, em nome de Henrique IV. As negociações do ano de 1473 funcionavam de forma favorável aos Aragoneses, como se deduz do Breve, de 19 de Julho de 1474, em que Sisto IV prometeu a Isabel que nenhuma decisão seria adoptada em Roma que prejudicasse as suas aspirações.

A intensa actividade dos embaixadores de Portugal e de Castela
Em 1474, aos defensores dos direitos de D. Joana, só se lhes ofereciam duas alianças possíveis: Portugal e França. No verão desse ano, o mestre de Santiago entabulou negociações com Afonso V. Com a França, o embaixador de D. Isabel, Juan Ramirez de Lucena conseguiu ir ganhando tempo, para evitar o rompimento das hostilidades entre os dois países. No fim do ano, 11 de Dezembro, morreu em Madrid Henrique IV. Dois dias depois Isabel proclamou-se rainha, reconhecida pela maioria das cidades castelhanas e dos bispos das dioceses. Faziam excepção, principalmente, os Pachecos e os Stúñiga. O marquês de Cadiz preferiu guardar prudente neutralidade. Assim, Fernando e Isabel contam com a maioria do reino, podendo, facilmente desfazer quaisquer tentativas de revolta que se manifestassem e sentir-se em situação de contrariar a invasão do seu território por tropas portuguesas ou francesas.
D. Joana só seria proclamada rainha, pelos seus partidários, em Placência, em 25 de Maio de 1475, sob a protecção do exército português. Contribuiu para o sucesso isabelino o apoio das casas mais poderosas de Castela, partidárias da oligarquia. Não podemos esquecer que em Portugal, nas mesmas fileiras, militavam os nobres mais poderosos, o que explica a atitude de João II. Parte do clero castelhano concordou em apoiar D. Isabel. Este arranjo entre D. Isabel, o clero e os nobres viria a ser reconhecido pela concórdia de Segóvia, seguida da reunião de um Conselho para debater os casos de política externa mais importantes: português, francês e navarro. D. Isabel, filha de mãe portuguesa e neta de um irmão do duque de Bragança, desejava a paz e contava com os adversários tradicionais do regente Pedro e do príncipe João, futuro rei de Portugal. Negociou com Afonso V, mas no Conselho celebrado em Estremoz, para se decidir da atitude a tomar perante a situação em Castela, apenas se manifestaram contra a invasão Rui Gomez de Alvarenga, Jorge da Costa, arcebispo de Lisboa, e o duque de Guimarães.
Os embaixadores castelhanos Vasco Vivero e Andrés Villalón estiveram num segundo Conselho celebrado em Arronches, mas a guerra já fora decidida com a revolta de Carrillo, que se instalara triunfante em Alcalá de Henares. Era o resultado da tarefa incumbida a Lopo Albuquerque, enviado de Afonso V, a aliciar partidários em Castela. Para França mandou Afonso V uma embaixada, pedindo o seu reconhecimento como soberano legítimo de Castela. Luís XI enviou a Portugal o embaixador Olivier Roux, em Abril do mesmo ano, assentando-se no auxílio militar da França a Portugal e a necessidade de se conseguir dispensa papal para o casamento de Afonso V com D. Joana.
O rei de Portugal despachou para Valhadolid, em Abril, Rui Sousa, a comunicar a decisão de casar com D. Joana e, em seu nome, reclamar a coroa de Castela. Por seu turno D. Isabel enviou a Portugal fr. Pedro Marchena, fr. Afonso de S. Cipriano e Diego Garcia de Hinestrosa, com a missão de aliciarem os nobres portugueses hostis à guerra com Castela, e que se serviriam da infanta D. Beatriz, sua tia, como intermediária. D. Isabel determinou a proibição de enviar dinheiro e armas a Portugal e decretou a mobilização de cavaleiros, peões e marinheiros, que deviam estar prontos a entrar em acção, em Abril. Conciliando os acontecimentos relatados pelos cronistas portugueses e castelhanos coevos, podemos inferir que Afonso V fora movido, finalmente, à acção pela intervenção em Portugal de D. Isabel junto da tia e pelos preparativos de guerra castelhanos. Há ainda uma tentativa de evitar a guerra, feita em Toro, numa série de negociações iniciadas em 21 de Julho. Mas era tarde». In Manuel Fernandes Costa, As Navegações Atlânticas no Século XV, Biblioteca Breve, volume 30, Instituto de Cultura Portuguesa, CCV Camões, Instituto Camões, Oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, 1979.

Cortesia de Instituto Camões/JDACT