segunda-feira, 10 de junho de 2013

Poesia. A Vida Breve. «Inglória É a vida, e inglório o conhecê-la. Quantos, se pensam, não se reconhecem os que se conheceram! A cada hora se muda não só a hora mas o que se crê nela, e a vida passa entre viver e ser»

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Melhor vida é a vida que dura sem medir-se
Não quero recordar nem conhecer-me.
Somos demais se olhamos em quem somos.
Ignorar que vivemos
cumpre bastante a vida.

Tanto quanto vivemos, vive a hora
em que vivemos, igualmente morta
quando passa connosco,
que passamos com ela.

Se sabê-lo não serve de sabê-lo
(pois sem poder que vale conhecermos?)
melhor vida é a vida
que dura sem medir-se.

São plácidas todas as horas que nós perdemos
Mestre, são plácidas
todas as horas
que nós perdemos,
se no perdê-las,
qual numa jarra,
nós pomos flores.

Não há tristezas
nem alegrias
na nossa vida.
Assim saibamos
sábios incautos,
não a viver,

Mas decorrê-la,
tranquilos, plácidos,
lendo as crianças
por nossas mestras,
e os olhos cheios
de Natureza...

À beira-rio,
à beira-estrada,
conforme calha,
sempre no mesmo
leve descanso
de estar vivendo.

O tempo passa,
não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
maliciosos,
sentir-nos ir.

Não vale a pena
fazer um gesto.
Não se resiste
ao deus atroz
que os próprios filhos
devora sempre.

Colhamos flores.
Molhemos leves
as nossas mãos
nos rios calmos,
para aprendermos
calma também.

Girassóis sempre
fitando o sol,
da vida iremos
tranquilos, tendo
nem o remorso
de ter vivido.



Vontade
Nunca a alheia vontade cumpras por própria
Nunca a alheia vontade, inda que grata,
cumpras por própria.
Manda no que fazes,
nem de ti mesmo servo.
Ninguém te dá quem és.
Nada te mude.
Teu íntimo destino involuntário
cumpre alto.
Sê teu filho.

Poemas de Fernando Pessoa, in ‘Odes / Ricardo Reis’

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