segunda-feira, 17 de junho de 2013

“Fernando” António Nogueira “Pessoa”. Cidadão. Poeta. Filósofo. «Aproveitar o tempo! Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro. Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto. Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste. Aproveitar o tempo! Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos. Aproveitei-os ou não?»

Teria 125 anos de idade. Nasceu num 13 de Junho
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Trabalho. Valor
Damo-nos valor por o que pensamos, em vez de por o que fazemos
«Não é no individualismo que reside o nosso mal, mas na qualidade desse individualismo. E essa qualidade é ele ser estático em vez de dinâmico. Damo-nos valor por o que pensamos, em vez de por o que fazemos. Esquecemos que o não fizemos, não o fomos; que a primeira função da vida é a acção, como o primeiro aspecto das coisas é o movimento. Dando ao que pensamos a importância de o termos pensado, tomando-nos, cada um de nós a si mesmo, não, como dizia o grego, por medida de todas as coisas, senão por norma ou bitola delas, criamos em nós não uma interpretação do universo, mas uma crítica do universo - que, como o não conhecemos, não podemos criticar – e os mais débeis e mais desvairados de nós elevam essa crítica a uma interpretação - mas uma interpretação imposta como uma alucinação; não deduzida, mas uma indução simples. É a alucinação propriamente dita, pois a alucinação é a ilusão prendendo num facto mal visto». In Fernando Pessoa, A Educação do Estóico/Barão de Teive


Tempo. Aproveitar o tempo

Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Mílton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tao pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!

Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos -
para com eles juntar os cubos ajustados
que fazem gravuras certas na história
(e estão certas também do lado de baixo que se não vê)...
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões,
e os pensamentos em dominó, igual contra igual,
e a vontade em carambola difícil.
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos -
imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida.

Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!

Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...

Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!

(Passageira que viajaras tantas vezes no mesmo compartimento
comigo
no comboio suburbano,
chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto? Que foi isto a vida?)

Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,
a poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
o vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm
outras,
O pião do garoto, que  vai a parar,
e oscila, no mesmo movimento que o da alma,
e cai, como caem os deuses, no chão do Destino.

Fernando Pessoa, in ‘Poemas / Álvaro de Campos’


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