sábado, 25 de maio de 2013

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «Se a influência do papa crescia assim em Portugal através da actividade de João Peculiar, ela aumentava ainda pelo mesmo tempo de outra forma. Naqueles anos avançava a ordem cisterciense até Portugal»

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Inocêncio II e o juramento de vassalagem de Afonso Henriques
«(…) Porém João Peculiar não ficou muito tempo nesta situação; quando o arcebispo Paio, de Braga morreu, foi nomeado seu sucessor no Outono de 1138. Lá se conservou à frente do clero português durante 37 anos, entrando assim no centro das nossas investigações. Primeiro que tudo, dirigiu-se pela segunda vez a Roma onde foi buscar o pálio. O seu privilégio é datado de 26 de Abril de 1139; evidentemente tomara antes parte no segundo concílio de Latrão, 3 de Abril de 1139, (arbitrária é contudo a afirmação feita pelo cronista moderno Luís dos Anjos, segundo a qual João Peculiar teria contraído amizade com Bernardo de Clarval e encetado correspondência com ele) para o qual também fora convidado o clero português. Este privilégio deixa-nos novamente verificar um progresso, embora modesto, na posição de Braga em face da Cúria: se no diploma prévio de Calisto II depois da enumeração das sufragâneas se fazia referência aos privilégios de Santiago e do Porto através da cláusula desagradável salvis tamen in omnibus Romane auctoritatis privilegiis, desaparecia agora essa limitação. Pode-se adivinhar mais uma, vez, como João Peculiar conseguiu esta prova de favor: empreendeu a viagem não só na companhia dum legado de Santa Cruz, mas levou ainda à Santa Sé mais um convento tributário, o de S. Salvador de Grijó, e que ele pouco antes concedera privilégios.
Se a influência do papa crescia assim em Portugal através da actividade de João Peculiar, ela aumentava ainda pelo mesmo tempo de outra forma. Naqueles anos avançava a ordem cisterciense até Portugal. Monges de Clarval fundavam cerca de 1139 o convento de S. João de Tarouca, do qual partiu a sua avançada vitoriosa através de grande parte do país. Também este convento conseguiu privilégio de Inocêncio II; infelizmente tal privilégio não se conservou. É de notar a este respeito que o arcebispo João, que se mantinha ao lado dos cónegos agostinhos e pouco queria saber então dos monges beneditinos e cistercienses, desta vez não serviu de intermediário; também sem a sua participação começaram a criar-se novas ligações entre Roma e Portugal, já então. Seguramente, porém, havia Afonso Henriques dado a sua aquiescência. Ele não desconhecia que precisamente os cistercienses, pela sua actividade colonizadora, seriam de grande utilidade para Portugal. Nas doações a eles feitas, punha claramente por vezes a condição de a terra inculta dever ser arada, e protegia-os tanto mais, quanto ele assim, ao mesmo tempo, agradava ao papa.
João Peculiar dirigia a sua principal atenção para a conservação do episcopado. O ponto mais difícil continuou sendo o bispado de Coimbra. Para lá se dirigiu por isso o arcebispo quase logo que recebeu o pálio, para exercer o seu poder jurisdicional.

NOTA: Inquirição de testemunhas em 1182, no Arquivo Distrital de Braga, Gaveta dos Arcebispos n.º 4 e 7: Cum archiepiscopus Johannes redierit Roma accepto pallio, venit Colimbriam, et episcopus Bernardus recepit eum in processione in ecclesia sancte Marie et dimisit ed domum suam et ivit ad aliam et procuravit eum, donec rex rediret de terra Sarracenorum, quam intraverat. As últimas palavras referem-se à expedição de Afonso Henriques no Verão de 1139, expedição do que resultou a célebre batalha de Ourique e podem utilizar-se como fonte para a debatidíssima questão sobre o local de Ourique.

Então, ou alguns anos mais tarde, chegou-se a violentos conflitos com o bispo Bernardo. João Peculiar excedeu-se manifestamente no uso do seu poder de metropolitano, invadindo os direitos do bispo de Coimbra». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT